cancaonova.com: Qual a diferença entre homossexualismo e homossexualidade?
Padre Joãozinho: É fundamental essa distinção, porque a homossexualidade é uma característica pessoal, da qual nós ainda não conhecemos bem todas as causas. Nem a psicologia nem a medicina a conhecem. Há muitos pesquisadores sérios que tentam entender se essa causa é comportamental ou de algum fator genético, inato, mas não existe nenhuma indicação científica quanto a isso. Homossexualidade é um sentir.
O homossexualismo, no entanto, é a prática da homossexualidade, ou seja, é ter atos genitais com pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade envolve o afeto; o homossexualismo envolve a sexualidade.
A Igreja Católica reconhece a possibilidade de um homossexual ser santo sem deixar de ser homossexual, mesmo porque só pode haver pecado quando há uma opção, quando há liberdade. Muitos homossexuais sentem atração por pessoas do mesmo sexo, mas não consentem nessa atração, por isso não pecam. Agora, o homossexualismo envolve não só o sentimento, mas também o consentimento. E além deste, há a prática de atos homossexuais. Então, a Igreja Católica reconhece a possibilidade de ser santo mesmo na condição homossexual. Mas ela não aceita a prática de atos genitais homossexuais, que seria o homossexualismo.
cancaonova.com: A homossexualidade é orientação ou desorientação sexual?
Padre Joãozinho: Num primeiro momento, a definição de homossexualidade foi muito controvertida na psicologia, falava-se até em desvio, neurose, doença, distúrbio e psicopatologia. Freud é um daqueles que definiram a homossexualidade dessa maneira.
No momento do “acordar da genitalidade”, o menino procura uma menina, ele quer ter uma namoradinha; a menina quer ter seu namoradinho, e até que [no futuro] formam uma família, casam-se e têm filhos. Isso seria o curso natural da diferenciação sexual, mas, segundo Freud, por diversos fatores, alguns acabam fixando-se na fase narcisista, não se diferenciam, e começam a sentir atração por pessoas do mesmo sexo.
Com relação à orientação, ela é uma palavra ambígua, que significa tudo e quase nada. Eu prefiro dizer que homossexualidade é um limite. Eu defino o homossexual não como aquele que sofre atração sexual por uma pessoa do mesmo sexo, mas que é incapaz de manter uma relação genital satisfatória com pessoas do sexo oposto. Essa definição contrária, inversa, vai se mostrar interessante para trabalhar a homossexualidade do ponto de vista terapêutico. Portanto, para mim, não é opção, orientação, nem distúrbio; nada. É um limite que precisa ser superado.
cancaonova.com: Há pessoas que se assumem como homossexuais, mas, na verdade, não o são?
Padre Joãozinho: Sim, há uma pseudo-homossexualidade. Eu denunciei isso no Portal Canção Nova, no artigo “A bênção da masculinidade”, chamando isso de “cultura gay”. Essa não é uma expressão minha, é uma expressão norte-americana.
Saiu um documento da Congregação para a Educação Católica, de 31 de agosto de 2005, que já foi aprovado pelo Papa Bento XVI, chamado “Critérios de discernimento com relação às pessoas com tendências sexuais em vista de sua admissão ao seminário e às ordens sacras”. Nele se colocam alguns critérios para aceitar, no seminário, alguém que tenha tendências homossexuais. Vou explicar alguns critérios:
– Tendências homossexuais profundamente enraizadas não são permitidas;– O padre é esposo da Igreja e esta é esposa de Cristo, portanto, uma heterossexualidade teológica é fundamental para a ordenação sacerdotal;– Capacidade de correta relação com homens e mulheres;– Aqueles que defendem uma cultura gay também não podem ser assumidos pela Igreja nem admitidos no seminário;– Aqueles que apresentam uma tendência transitória, que já foi superada há mais de 3 anos antes da ordenação, podem ser admitidos. É o caso de alguém que foi abusado sexualmente na infância ou submetido a algum tipo de clausura. É muito comum esse tipo de homossexualidade em seminários, em que o menino é um pseudo-homossexual, porque, como só há meninos naquele seminário, ele acaba projetando a imagem feminina num colega, tendo atos homossexuais que são transitórios.
Conheci, como formador, seminaristas que passaram por esse tipo de drama e depois acabaram saindo do seminário, casaram-se, tiveram filhos, apesar de terem tido atos homossexuais [antes]. Atendi muitos casos de pessoas que tiveram traumas de infância porque foram abusadas sexualmente e achavam que eram homossexuais. Esse trauma provoca uma homossexualidade que pode ser tranqüilamente tratada com terapias e superada.
Outros critérios importantes é que não basta ser padre, pois a ordenação não é um direito da pessoa, mas um chamado de Deus, e que é preciso discernir a idoneidade do candidato.
O documento diz também que aqueles que escondem a sua condição de homossexuais estão caindo num erro grave. Pode ser que, durante o tempo de formação, eles se controlem e ninguém descubra, mas ao se tornarem padres assumam a sua homossexualidade. Então, a Igreja adverte que isso é um erro grave.
cancaonova.com: A quem interessam esses enganos?
Padre Joãozinho: Hoje, a pseudo-homossexualidade é provocada, em grande parte, pela moda. Do meu ponto de vista, a homossexualidade feminina é a maior refém de uma cultura lésbica. Nos colégios, é impressionante como isso é divulgado, inclusive em livros aprovados pelo governo e em programas de televisão em que meninas se beijam na boca e têm afetos de conotação sexual clara, explícita. Na verdade, essa minoria sexual, que já nem sei se ainda é minoria, acaba aparecendo na mídia, inclusive nas novelas.
Muitos dos que estão com o microfone nas mãos são homossexuais e acabam passando uma imagem romantizada, bonita e até ideal disso. A coisa está se invertendo a tal modo que algumas meninas têm até de simular uma certa homossexualidade na roupa, no jeito, na postura e até ter uma ‘namoradinha’ para ser aceita socialmente. Isso é inversão total dos valores.
cancaonova.com: O que os pais devem fazer para que seus filhos não venham a viver a homossexualidade?
Padre Joãozinho: A primeira coisa que um pai precisa fazer é dialogar com seu filho e, uma vez que o filho se mostra homossexual, a rejeição dos pais aumenta a tendência homossexual. Os homossexuais que conseguem superar essa condição e acabam se casando e tornando-se pais de família e desempenham este papel de maneira satisfatória, são aqueles que foram aceitos e amados por seus pais.
Não adianta o pai rejeitar, punir, falar um monte de coisa. Na verdade, o diálogo e a transparência são o melhor a fazer. É muito comum que os pais descubram que o filho é homossexual quando a coisa já está bastante adiantada.
Também na questão da internet, os pais deveriam tomar uma atitude radical de tirar o computador dos quartos de seus filhos e colocá-lo na sala. Os computadores, em casa, deveriam ser mais públicos, porque grandes problemas de pseudo-homossexualidade estão relacionados a chats, MSNs, nos quais aquela menina, que nem é homossexual, simula uma homossexualidade. O rapaz também, dentro do quarto dele, muda de sexo todos os dias.
cancaonova.com: Como alguém que vive a homossexualidade pode voltar a ter uma vida normal?
Padre Joãozinho: Eu conheço homossexuais que vivem este drama como um espinho na carne, que vivem a sua santidade, na castidade, com muito sofrimento.
Um homossexual tem de pensar muito antes de assumir um casamento, porque pode fazer o outro sofrer muito.
Muitos homossexuais vivem um celibato voluntário, eles não estão interessados em casar. Isso, às vezes, é uma imposição da sociedade, de que os homossexuais formem um tipo de casal homossexual. É uma imposição cultural que tem como referência o matrimônio. Mas o homossexual tem de procurar um outro caminho de felicidade para viver a sua santidade e que também não seja, necessariamente, o sacerdócio.
Também não podemos vincular a homossexualidade à pedofilia. Há pesquisas no mundo que mostram que os pedófilos não são, necessariamente, homossexuais. Nos Estados Unidos, grande parte dos pedófilos, que já foram acusados, são heterossexuais.
cancaonova.com: Como é possível viver a santidade na homossexualidade?
Padre Joãozinho: Primeiro, é preciso não se deixar contagiar por essa cultura gay. Não assumir a sua homossexualidade como uma coisa boa. Este documento da Congregação para a Doutrina da Fé fala que um dos critérios para a santidade homossexual é assumir essa realidade não a aceitando como parte dele. O homossexual está homossexual, ele não é homossexual, no coração de Deus ele é heterossexual. Ele tem uma condição, um limite humano que nós não sabemos tratar ainda direito. É como alguém que nasce sem uma perna, ele não vai poder correr, mas pode fazer um monte de outras coisas. A homossexualidade é um limite a mais, mesmo que ele não queira e não consiga superar isso, existem muitos homossexuais no céu.
O fato de uma pessoa ser homossexual, não faz dela um pecado, ela não é um pecado. Inclusive, alguns comportamentos externos como o tom da voz, a delicadeza no agir, alguns trejeitos, são um peso ainda maior, embora nem todos os tenham, mas os que os têm, não conseguem se superar sem serem pessoas extremamente tristes e artificiais.
Nós temos de aceitar um homossexual na santidade até com esses trejeitos. O coração da Igreja está aberto a eles que, como tantas outras pessoas, têm limites e sofrem.
cancaonova.com: Tramita no Congresso um projeto de lei (PLC 122/2006) sobre “crimes de homofobia”. Um grupo deve ter lei específica para ser respeitado ou deve receber amparo da lei como todos os cidadãos?
Padre Joãozinho: Estou querendo entrar com outro projeto de lei no Congresso para punir “crimes de heterofobias”. Fala-se de feminismo como se fosse uma coisa bonita, mas se eu falar de machismo, aí eu sou punido. Fala-se de negritude, mas se eu falar de branquitude, eu vou ser punido, vou ser chamado de preconceituoso, racista.
Temos que tomar muito cuidado com o autoritarismo das minorias, porque para se defenderem, eles costumam “carregar nas cores”. Uma legislação como essa, de homofobia, representa a força organizada dos homossexuais. Basta ver as passeatas, nem todos lá são homossexuais, mas as famílias acham aquilo exótico, bonito e levam seus filhos para ver aquele pessoal. Eles são divertidos, são pessoas alegres. Acho muito estranho que alguns artistas, que nem são homossexuais, estejam nessas campanhas por esse tipo de lei que censura, sendo que eles, do outro lado, são uns contra-censura, mas querem censurar.
sábado, 23 de maio de 2009
domingo, 1 de março de 2009
O AMOR DE CRISTO IMPUSIONOU DEHON PARA O APOSTOLADO EDUCATIVO
de P. João Carlos Almeida, scj
publicado na DEHONIANA (2009)
“Buscamos a civilização da inteligência e do coração”.
Introdução
O Apostolado Educacional na vida e nas obras de Léon Dehon foi uma forma que nosso fundador encontrou de realizar a “Reparação Solidária”. Ele acreditou no potencial reparador do conhecimento. Soube unir mente, coração e mãos em um visão lúcida de Educação Integral. Isto se pode verificar tanto em obras como o Patronato São José ou o Colégio São João, como ao interno da Congregação do “Oblatos”. O próprio carisma dehoniano tem raízes educacionais. Inicialmente, ainda no tempo de estudante em Roma, Dehon programou a fundação de uma Congregação de Estudos, com o quarto voto de divulgar as doutrinas pontifícias. Ao invés desta Congregação da inteligência, acabou fundando a Congregação do Coração. Porém, dez anos depois, em 1887, Dehon reconhece que seu carisma tem estas duas faces inseparáveis: inteligência e coração. Ele chega a esta síntese entre o amor (congregação dos Oblatos) e a verdade (congregação de Estudos), como sua única herança. É neste contexto que ele afirma que a “verdade e a caridade foram as duas grandes paixões de sua vida”. Dehon jamais abandonou aquele ideal e que ele foi incorporado ao carisma e expresso em seu empenho educacional e social. Ao anunciarmos nosso carisma tradicionalmente como “Amor e Reparação”, não estamos longe desta verdade, uma vez que a reparação, conforme demonstraremos, coincide perfeitamente com esta dimensão da “Veritas”, ou seja, ser um reparador dehoniano é ser um educador. Neste sentido é muito curioso que na Província Espanhola, marcada fortmente pelo apostolado educativo, sejamos como reparadores. É emblemático que o único colégio fundado no tempo de Dehon e que ainda está sob nossa custódia, seja o de Novelda.
Conhecer estas paixões místicas de nosso fundador é fundamental para fazermos a releitura atualizada do carisma dehoniano descobrindo de que forma o “amor de Cristo o impusionou” (cf. 2Cor 5,14). O 22º Capítulo Geral será uma oportunidade de conhecer melhor este tesouro espiritual que herdamos do fundador. O amor de Cristo foi a sua grande força motivacional, do Manual do Coração de Jesus - que recebeu de sua mãe ainda na infância - até os seus Estudos sobre o Coração de Jesus, no fim da vida. Esta experiência do amor de Cristo fez de Léon Dehon um vigário paroquial, fundador, educador, escritor ou apóstolo do social. Esta dimensão apostólica de sua vida é sempre direcionada para o anúncio da verdade. Dehon tinha ouvidos de aluno e coração de educador. Foi discípulo do “amor” e missonário da “verdade”.
A partir das conclusões do Primeiro Encontro de Educadores Dehonianos, em Salamanca, no ano 2001, foi elaborado um Projeto Educativo Dehoniano (PED). A terceira parte do projeto foi escolhida como tema específico do segundo encontro de educadores (Salamanca - 2008): Adveniat Regnum tuum. Um coração aberto para educar. Mas o que significa esta expressão no contexto do carisma que nos identifica e que somos chamados a frutificar na Igreja por meio de nosso Apostolado Educacional? Façamos algumas pontuações semânticas.
Segundo nosso ponto de vista que a fórmula mais sintética do nosso carisma encontra-se no número 6 de nossa atual Regra de Vida: “União à Oblação Reparadora de Cristo ao Pai em favor da humanidade”. Para os que estão pouco acostumados a estas expressões esta frase pode soar como um amontoado de palavras antigas e de significado incerto, principalmente oblação e reparação. Temos aqui três dimensões fundamentais no carisma: união (sint unum), oblação (ecce venio - ecce ancilla) e reparação (adveniat regnum tuum). Os três principais lemas de Padre Dehon, coincidem com as três dimensões estruturantes do carisma dehoniano.
A tradução que o mundo de hoje entende para a união com Cristo poderia ser feita pela conhecida “eclesiologia de comunhão”. Para atualizar a dimensão oblativa seria melhor falarmos em termos de “disponibilidade”. A “reparação”, foi traduzida até mesmo pelo próprio Léon Dehon, em termos de “solidariedade”. Poderíamos então traduzir o carisma como “Viver em comunhão de Igreja na disponibilidade e na solidariedade”. É isso que expressa o lema que poderíamos completar: “Um coração aberto e solidário para educar”.
Dissemos que o próprio Léon Dehon traduziu a reparação em termos de solidariedade. Isto é um fato surpreendente e desconhecido para muitas pessoas. Encontramos esta tradução já em suas conferências ao noviços, entre 1880 e 1882, nas anotações do noviço Falleur. Há um outro texto mais recente que encontra-se no Diário de Dehon, no registro do dia 12 de julho de 1888, em que ele se diz tomado pelos pensamentos da solidariedade. Em seguida afirma que, assim como uma família pode ser prejudicada pelo pecado de um só, toda a humanidade pode ser abençoada pelos atos de reparação feitos por um só. Dehon atribue este efeito espiritual ao mistério da “reversibilidade” da comunhão dos santos. A reparação está inserida na soteriologia que inverte a lógica do pecado original. Já o apóstolo Paulo e principalmente Santo Irineu haviam percebido esta lógica da salvação, mas sem utilizar o termo solidariedade. Dehon utiliza esta palavra que seria assimilada teologicamente pelo magistério da Igreja apenas no Concílio Vaticano II.
É preciso ter em conta que o termo “solidariedade” em seu sentido teológico não fazia parte da linguagem teológica do tempo de Dehon. Sua origem pode ser encontrada no universo jurídico do direito romano: in solidum. Significava a obrigação que pesava sobre os credores quando cada um era tomado pelo todo. Sua acepção moderna é uma criação francesa. Augusto Compte e outros filósofos da época cultivaram a noção de solidarismo. A solidarité seria um substituto secular para a caridade cristã. No âmbito católico o termo solidariedade será utilizado pela primeira vez por Pio XII, em sua rádio-mensagem, no Natal de 1948. Em um documento oficial da Doutrina Social da Igreja o termo apareceria apenas na Mater et Magistra, de João XXIII, em 1961. Como já dissemos, somente o Concílio Vaticano II utilizaria o termo solidariedade com conteúdo especificamente teológico, na Apostolicam Actuositatem nº 8, para expressar o mistério da Encarnação. Paulo VI utilizou fartamente o termo, principalmente a partir da Populorum Progressio, e João Paulo II não economizou o recurso à palavra “solidariedade”, dando-lhe plena cidadania teológica. Bento XVI parece bem mais econômico e crítico em relação à esta linguagem.
Portanto, falar de educação na dimensão do Adveniat Regnum tuum, significa refletir sobre educação e reparação, ou melhor, educação e solidariedade. Mas esta solidariedade não pode ser reduzida a uma funcionalidade caritativa. Solidariedade não é apenas algo que fazemos; é o que somos. Ela define a nossa essência humana enquanto relacional. Define também a nossa natureza eclesial: somos corpo místico de Cristo. A apóstolo Paulo escreveu de mil maneiras sobre esta realidade radicada no batismo e expressa de modo sublime na Eucaristia. Um destes textos, muito caros a Padre Dehon, é colocado logo no início de nossas atuais Constituições como princípio e fundamento da experiência de fé do fundador: “A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gal 2,20). E conclui em termos de solidariedade cristo-ontológica: “Eu vivo, mas não sou eu que vivo; Cristo vive em mim”. Ser membro de Cristo é ser Igreja. Somos, em Cristo, um corpo sólido, solidário. É nesta realidade mística que vivemos os mistério da reparação. É o que Dehon chamava “reversibilidade da comunhão dos santos”. Hoje vivemos em uma pequena aldeia global. Nossos jovens são cada vez mais cidadãos do mundo inteiro. A sensibilidade ecológica é uma porta aberta para recuperar a relevância da reparação solidária. A “opção preferencial pelos pobres” tão cara à Igreja latino-americana não é outra coisa que a elaboração eclesial da solidariedade. A Teologia da Libertação, desde Gustavo Gutiérrez, refletiu a partir deste tema colocando como base semântica a salvação como solidariedade, ou seja “comunhão com Deus e das pessoas entre si”. Neste sentido o conceito teológico de “libertação”, não está nada distante do que Dehon traduzia pelo termo “reparação”.
Contemplando o Coração de Deus, nosso fundador experimenta o amor com que Cristo nos amou. Porém, contemplando o coração do mundo ele percebeu que a recusa ao amor de Cristo é a “causa mais profunda dos males da sociedade nos planos humano, pessoal e social”. É uma espécie de experiência negativa que chega ao amor de Deus a partir da face de Cristo, desfigurada nos irmãos pelo pecado da humanidade. Dehon é muito sensível à indiferença ao amor de Deus, especialmente por parte dos sacerdotes e consagrados. Consciente do laço de solidariedade que une a Igreja como uma família, como comunhão dos santos, ele quer corresponder ao amor menosprezado de Deus, pois entende que esta união reparadora irá contribuir para instaurar o Reino do Coração de Jesus “nas almas e nas sociedades”. Segundo Dehon, “é necessário que o culto do Coração de Jesus, começado na vida mística, nas almas, desça e penetre na vida social dos povos. Ele trará o soberano remédio para os males cruéis do nosso mundo moral.
A Reparação, portanto, é um conceito soteriológico típico do universo de linguagem da espiritualidade do Coração de Jesus. É uma forma de exprimir a complexa realidade da salvação. Nossas Constituições utilizam uma multiplicidade de outras palavras para exprimir esta mesma realidade, por exemplo: remediar, reconciliação, redenção, libertação, restauração, redenção, cura.
Esta espiritualidade reparadora não se resume em tarefas para solucionar problemas. Não podemos esquecer que a reparação nasce da disponibilidade oblativa. Sem oblação não há reparação e sem comunhão de Igreja é até possível a disponibilidade, mas sem fecundidade oblativa; é possível a solidariedade, mas sem eficácia reparadora. No coração da Igreja, ouvimos o coração de Deus para transfigurar o coração do mundo.
Também a oblação tem algo a ver com o estudo, enquanto siginifica a disponibilidade para contemplar a reaidade. Assim como Dehon procura ouvir o Coração de Deus, também é solícito em ouvir as pessoas. Sua espiritualidade não é intimista, mas provoca os sacerdotes a não ficarem apenas ocupados com o culto, mas a “ir ao povo”. Seu método pastoral nasce desta mística da escuta e parte sempre de um demorado e minuncioso olhar sobre a realidade. Normalmente, ele anota tudo, com detalhes, por exemplo, sobre economia, política, cultura. Faz parte integrante de sua identidade espiritual esta contemplação da realidade. Desta forma, o estudo adquire para ele um significado místico. Ele mesmo diz: “É necessário estudo, ação e oração. Precisamos de mestres, apóstolos e santos. Precisamos de apóstolos, homens de ação. O povo não vem mais a nós; nós devemos ir a eles!”. Sua solicitude no campo do apostolado educacional faz todo sentido nesta dimensão reparadora de sua espiritualidade. Da contemplação, do estudo, Dehon passa para a ação social de um modo natural e, às vezes, surpreendente, se pensarmos que ele viveu a maior parte de sua vida no século XIX, na aurora da Doutrina Social da Igreja.
O Projeto Educativo Dehoniano, ao falar da dimensão Adveniat Regnum Tuum, afirma que “esta expressão se refere às atitudes que reforçam a ação e o compromisso pessoal e comunitário para tornar presentes os valores do Evangelho na procura e na construção de um mundo melhor. Isto traduz-se em compromisso social efetivo, em trabalho pela Justiça e pela Paz, em ações de reparação como expressão da nossa solidariedade com todas as pessoas, num trabalho que humanize e que se resume no binômio ‘saber-ação’ ou ‘contemplação-ação’. Pretendemos uma educação para a cidadania, sendo agentes de mudança para a construção de um mundo novo, divulgando e vivendo o pensamento social da Igreja”. Esta última frase sintetiza muito bem a perspectiva eclesiológica do nosso jeito dehoniano de educar. Nossas escolas e obras educacionais devem criar condições facilitadoras para que os educandos se tornem verdadeiros cidadãos da pátria e da Igreja. Nossa educação busca ser integral no sentido de que educa para a cidadania da terra e do céu, como já recordava Léon Dehon em seu conhecido discurso educacional de 1877. Buscamos escolas reparadoras, solidárias, libertadoras. Para usar a feliz frase de nosso fundador: “Buscamos a civilização da inteligência e do coração”.
1. O pensamento de Bento XVI
O papa Bento XVI tem falado com muita freqüência sobre a importância do apostolado educacional na Igreja. No dia 17 de abril de 2008, durante sua viagem aos Estados Unidos, tornou a afirmar que “a educação é parte integrante da missão da Igreja de anunciar a boa nova”. Ouvir estas palavras do Santo Padre é muito oportuno, pois até mesmo em âmbito de Congregação SCJ, alguns ainda permanecem com aquela visão de que o envolvimento da Igreja no mundo da Educação era meramente subsidiário. A Igreja fazia o que o Estado não dava conta de fazer. A conclusão é que aonde existem escolas públicas para todos, já não faria sentido oferecer à sociedade uma escola católica.
Em seu discurso na Universidade Católica de Washington estavam presentes 235 reitores de universidade e colégios católicos, 195 responsáveis pela pastoral da educação nas dioceses e outras pessoas que somavam uma platéia de 600 pessoas. Bento XVI afirmou que “os nobres objetivos da formação acadêmica e da educação, fundados na unidade da verdade e à serviço da pessoa e da comunidade, são um poderoso instrumento de esperança contra os conflitos pessoais, a confusão moral e a fragmentação do conhecimento”. Ele convidou a refletir sobre o que é “específico” de nossas instituições católicas e como podemos contribuir para o bem da sociedade por meio da missão principal da Igreja que é evangelizar. Para o Santo Padre, a identidade de uma escola católica tem como fundamento que “o mistério da pessoa humana somente se esclarece no mistério do Verbo Encarnado. Portanto, em uma escola católica a fé deve ser “tangível”. Segundo ele, a crise da verdade, tão forte em nossos dias, tem como raiz mais profunda uma “crise de fé”. Somente por meio da fé podemos alcançar a verdade revelada. A evangelização envolve a Igreja na luta de toda a sociedade para alcançar a verdade. Segundo ele a verdade revelada “serve para toda a sociedade, purificando a razão e assegurando que permanece aberta à consideração das verdades últimas. Segundo Bento XVI, “a liberdade não é optar por não fazer algo; é a faculdade de optar por uma participação no próprio Ser, de modo que a autêntica liberdade não se pode alcançar afastando-se de Deus”. Finalmente o Santo Padre exortou os educadores a “libertar os jovens dos limites do positivismo e despertar neles a receptvidadepela verdade, por Deus e por sua bondade. Deste modo, ajudaremos também a formar a sua consciência, que enriquecida pela fé, abre um caminho seguro para a paz interior e o respeito ao próximo”.
Este pensamento educacional é claro e categórico. Claramente Bento XVI insere a educação como forma de evangelização. Categoricamente convoca os educadores a serem evangelizadores e as escolas católicas a não serem tímidas nesta tarefa, nem perderem a sua identidade cristã e mesmo católica. No fundo o papa reivindica a cidadania para a fé. Ele sabe distringuir claramente os dois lados da moeda: o universo laico e religioso. Não tem pretensões teocráticas, mas não admite a privatização da fé em nome de um sentido mal compreendido de laicidade.
Isto nos remete ao palco do debate entre educação laica e confessional na aurora da Terceira República francesa, com seu ministro da instrução Jules Ferry. Ali encontraremos o apologeta Léon Dehon defendendo um “ideal da educação segundo o ideal cristão” que até bem poucos anos parecia até mesmo superado. O discurso de Bento XVI mostra que os dogmas do positivismo não são tão eternos. A questão continua em pauta e é preciso reexaminar os argumentos. É urgente rever a atualidade de Dehon para redescobrir a essencial dimensão educativa de nosso carisma.
2. Atualidade do pensamento educacional de Léon Dehon
O Concílio Vaticano II declarou que o apostolado educacional, por meio de escolas confessionais, permanece sendo de “gravíssima importância” e uma forma eficaz e atual de evangelizar. Esta educação segundo o ideal cristão, conforme aparece literalmente expresso no proêmio da Gravissium educationis, deverá “cultivar simultaneamente a verdade e a caridade”. Estas são, exatamente, as duas categorias estruturantes da visão educacional e da experiência espiritual de Léon Dehon. Verificamos que esta é também a orientação programática do pontificado de Bento XVI. Sua primeira Encíclica, Deus caritas est, indicou esta “via do amor” como o caminho a seguir para conduzir a humanidade para além do atual momento de crise e choque entre civilizações.
Este princípio fundamental é explicitado - ainda no proêmio Gravissimum educationis - e depois desdobrado em uma série de princípios educacionais derivados:
Visto que a santa Mãe Igreja, para realizar o mandato recebido do seu fundador, de anunciar o mistério da salvação a todos os homens e de tudo restaurar em Cristo, deve cuidar de toda a vida do homem, mesmo da terrena enquanto está relacionada com a vocação celeste, tem a sua parte no progresso e ampliação da educação.
É o mesmo conceito fundamental que encontramos de modo transversal ao longo de todos os escritos educacionais de Dehon. Seu propósito era “educar para a vida terrena enquanto se relaciona com a vocação celeste”. O ideal, já presente em Platão, de educar para a vida eterna é explitamente afirmado por Dehon, que defende a “educação segundo o ideal cristão”.
Outro aspecto deste texto que verificamos nos escritos dehonianos é a perspectiva de “tudo restaurar em Cristo”. Este potencial reparador do conhecimento é uma das bases mais sólidas da orientação intelectual do apostolado de Léon Dehon. Ele acreditava que por meio do estudo, da formação do clero, da divulgação das Doutrinas Pontifícias, seria possível realizar a “obra de reparação” desejada pelo Coração de Jesus.
Há um terceiro elemento no proêmio da Gravissimum educationis que aparece de modo fundamental e estruturante na obra de Dehon: “cuidar de toda a vida do homem”. Isto sempre aparece expresso no modo como Dehon entende a atuação da Igreja no mundo da cultura.
A partir destes princípios fundamentais - que coincidem perfeitamente com a visão de Dehon - a Gravissimum educationis aponta princípios derivados, porém igualmente fundamentais, que deveriam nortear a ação da Igreja Católica no campo do apostolado intelectual. O tom destes princípios é marcadamente jurídico, enquanto afirmam o direito inalienável de todos à educação. Porém, de igual modo, crianças e adolescentes têm o “sagrado direito” de serem educadas em valores morais “bem como a conhecer e a amar Deus mais perfeitamente”. Portanto, o direito à “educação religiosa” é um valor absoluto. Os cristãos, por sua vez, têm o direito a uma educação cristã, para “se aproximarem do homem perfeito, da idade plena em Cristo”. A Igreja assume a responsabilidade da família e da sociedade civil nesta missão, por meio de escolas confessionais. São princípios do Magistério recente da Igreja que encontramos claramente enunciados no discurso programático de Léon Dehon, em 1877.
A Escola Católica é um direito da Igreja, pois os pais têm o direito de escolher a escola para seus filhos. A mesma defesa enérgica deste direito já era uma das tônicas do discurso de Dehon, diante da reforma de Ferry.
Em relação às escolas não-católicas, a Gravissimum educacionis, lembra aos pais cristãos o seu dever de educar os filhos na fé, porém louva as autoridades e sociedades civis que “tendo em conta o pluralismo da sociedade hodierna e atendendo à justa liberdade religiosa, ajudam as famílias para que a educação dos filhos possa ser dada em todas as escolas segundo princípios morais e religiosos das mesmas famílias”. Neste sentido há uma crítica discreta, mas clara, da Escola Neutra, ou escola sem Deus. Percebemos que, mesmo nos atuais documentos do Magistério, a eficácia da total laicidade do ensino é colocada em dúvida. Uma educação sem Deus jamais poderá atingir a pessoa em sua totalidade. A perplexidade de Dehon diante da proposta educacional da Terceira República não está aprisionada no século XIX. Ainda hoje, a escola laica é um instrumento eficaz para construir uma sociedade sem Deus. Os frutos desta educação podem ser vistos em muitos países onde já se fala de “civilização pós-cristã”.
Os princípios fundamentais, enunciados pelo Concílio, foram explicitados em uma série de documentos emanados pela Congregação para a Educação Católica. Um dos principais, em 1977, foi A Escola Católica, que procura indicar o que caracteriza a catolicidade de uma escola, mesmo em meio às diversas legislações e ao pluralismo do mundo moderno. Afirma-se novamente a missão evangelizadora e salvífica da Escola Católica. Ela é um meio para que a Igreja realize sua missão. “O projeto educativo da Escola Católica, que deve ter em conta os atuais condicionamentos culturais, define-se precisamente pela referência explícita ao Evangelho de Jesus Cristo, que deve radicar-se na consciência dos fiéis”.
O mesmo documento apresenta uma série de “objeções” à Escola Católica que coincidem com as “acusações” que estavam na base da apologia de Léon Dehon da educação segundo o ideal cristão. Isto pode ser verificado já na primeira objeção apontada pelo documento da Congregação para a Educação Católica:
Convém ter presente, em primeiro lugar, que muitos, dentro e fora da Igreja, levados por um sentido de laicidade mal entendido, atacam a Escola Católica como instituição. Não admitem que a Igreja possa oferecer, além do testemunho individual dos seus membros, o testemunho específico de instituições próprias, consagradas, por exemplo, à investigação da verdade ou a obras de caridade.
Este foi, na verdade, o núcleo de todos os embates educacionais de Dehon. As outras objeções identificadas pelo documento atual são que a Igreja Católica procura “instrumentalizar” a escola para fins religiosos e confessionais; que a Escola Católica é uma “instituição anacrônica”, pois já não se justifica seu papel de suplência em relação ao Estado; que oferece educação apenas para as elites; que não sabe formar cristãos comprometidos no campo social e político. O documento defende a presença da Igreja no mundo da educação como aquela que é capaz de educar de modo verdadeiramente integral, promovendo a síntese entre fé e vida, entre fé e cultura, pois “é consciente de estar comprometida na promoção do homem integral, porque em Cristo, o Homem perfeito, todos os valores humanos encontram a sua realização plena e, portanto, a sua humanidade”. A semelhança deste texto com o discurso de Dehon, em 1877, é evidente, quando ele afirma que “o rumo da educação depende da idéia que exista sobre o homem perfeito. A imensa superioridade da educação cristã sobre as demais se deve ao fato de ela ter como seu objetivo e seu ideal a perfeição total e sobrenatural do homem nesta vida e na outra”.
O que está em jogo é a escola como um lugar onde é possível a experiência de Deus, para que a educação atinja a pessoa em todas as suas dimensões. Portanto, a síntese entre espiritualidade e educação é uma reivindicação dehoniana que permanece muito atual. A revisão póstuma da pedagogia dehoniana feita por Albert Delloue, em 1927, na celebração dos cinqüenta anos do Colégio São João, identificou este núcleo fundante quando disse que havia um contraste entre os ideais do ensino oficial e da educação cristã. A primeira, negativa e materialista, “não considera mais do que a vida neste mundo que passa, esquecendo o nosso destino eterno e os meios para chegar lá”. A segunda tem como fundamento da educação “a idéia religiosa levada a todo o momento à prática”. Este segundo elemento apareceu recentemente, em 1988, no documento da Congregação para a Educação Católica: Dimensão Religiosa na educação na escola católica. Mostra-se a importância da dimensão religiosa da vida, principalmente na condição juvenil; a necessária dimensão religiosa do ambiente educativo católico, que deve transparecer até mesmo nas instalações físicas; o significado da dimensão religiosa da vida e do trabalho escolar, principalmente o papel do ensino religioso; enfim, a dimensão religiosa do processo educativo, segundo o ideal cristão:
Poder-se-ia descrever, portanto, o processo educativo cristão como um conjunto orgânico de fatores orientados a promover uma evolução gradual de todas as capacidades do aluno, de modo que possa alcançar uma educação integral no quadro da dimensão religiosa cristã, com o auxílio da graça. Não interessa o nome mas a realidade do processo educativo: ele assegura o trabalho homogêneo dos educadores, evitando intervenções ocasionais, fragmentárias, não coordenadas, talvez acompanhadas de conflitos de opiniões entre os mesmos educadores, com grave dano para o desenvolvimento da personalidade dos alunos.
O mesmo documento afirma que este “processo educativo”, deve ser transformado nas Escolas Católicas em “Projeto Educativo”. É o que Delloue descreveu na pedagogia de Dehon como “idéia religiosa levada a todo momento à prática". No caso, esta idéia religiosa não era uma vaga abstração, mas o Sagrado Coração de Jesus como ideal do humano perfeito. Isto é dito explicitamente na abertura de seu livro sobre educação e enunciado definitivamente pela inclusão do sermão sobre o Coração de Jesus como capítulo final do mesmo livro. Dehon estava convencido que “educar um cristão significa formar um homem de coração.
A Congregação para a Educação Católica lançou, em 1997, o documento: A Escola Catolica no limiar do Terceiro Milênio. Identifica uma crise de valores que assume as formas de “subjetivismo difuso, relativismo moral e nihilismo” e que exige corajosa renovação da Escola Católica. O documento relembra as características fundamentais da Escola Católica:
A escola católica como lugar de educação integral da pessoa humana através de um projeto educativo claro que tem o seu fundamento em Cristo; a sua identidade eclesial e cultural; a sua missão de caridade educativa; o seu serviço social; o estilo educativo que deve caracterizar a sua comunidade educante.
O mesmo documento critica a situação atual da escola que tende a redução à educação técnica e funcional, o que implica em uma fragmentação ainda maior do saber. Os valores são tratados de maneira genérica e “tendem a adormecer a escola em um presumível neutralismo, que enfraquece o potencial educativo e se reflete negativamente sobre a formação dos alunos”. A Escola Neutra é novamente questionada, pois procura responder ao “como” educar, mas não tem respostas mais profundas ao “porque”. As questões que motivavam os discursos de Dehon continuam na ordem do dia. “Na prática, a maior parte das vezes, à pretendida neutralidade escolar, corresponde a remoção da referência religiosa no campo da cultura e da educação”. No limiar do Terceiro Milênio a Igreja Católica continua afirmando que o Projeto Educativo cristão deve ser inspirado no Evangelho, pois “o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo Encarnado.
Poderíamos citar ainda outros documentos posteriores da Congregação para a Educação Católica, que indicam o papel de leigos e religiosos na escola, porém, pelas indicações feitas, é possível perceber não apenas a evidente atualidade do núcleo estruturante da experiência espiritual de Dehon, que está justamente na reivindicação da dimensão mística como essencial, mas também que o projeto de uma educação completamente laicizada continua encontrando a resistência da Igreja Católica. A reflexão atual é mais elaborada e leva em conta o pluralismo religioso e a liberdade religiosa. Porém, a Escola Neutra, ou Escola sem Deus, continua recebendo o olhar cético do Magistério.
3. Educar em comunhão com a Igreja na raiz do carisma dehoniano
Apesar das nossas atuais Constituições não incluirem o apostolado educacional entre as “orientações apostólicas herdadas do fundador”, a educação em comunhão de Igreja sempre esteve no horizonte carismático de Léon Dehon. Já no tempo de estudante universitário em Paris, ele sonhava em poder contribuir de alguma forma para sanar as deficiências culturais do clero de seu tempo. Observe como estão implicados aqui três elementos: Igreja, educação, reparação. O jovem Dehon percebia que o “advento do Reino do Coração de Jesus”, tão desejado pela Igreja de seu tempo, não seria possível com um clero que não tivesse condições culturais de dialogar e debater com as elites pensantes do país. Ele acreditava no potencial reparador do conhecimento. Como seminarista, em Roma, esta inquitação tornou-se ainda mais latente e teve seu ápice durante o Concílio Vaticano I, quando chegou a projetar com detalhes a fundação de uma “Congregação de Estudos”. Este fato nos interessa muito neste momento em que buscamos entender o significado da comunhão com a Igreja na dimensão educacional do nosso carisma. O período que vai do Vaticano I, marcado pelo pontificado de Pio IX, até o célebre encontro com Leão XIII, em 1888 representam vinte anos do discernimento de Dehon que vai entendendo paulatinamente a vontade de Deus a seu respeito e a respeito da congregação dos Oblatos, que ele fundara. Ao dizer, em 1887, que o “amor e a verdade foram as duas grandes paixões da sua vida”, nosso fundador revela que a espiritualidade do Coração de Jesus e a Mística de Educador são duas grandes pilastras do carisma que ele recebeu de Deus. Ele sempre viveu estas duas dimensões como os dois lados do seu coração. Podemos afirmar mesmo que o seu empenho educacional e também social são expressões da congregação que ele queria ter fundado. O mandato recebido de Leão XIII: “Prega as minhas Encíclicas”, não é mais do que a confirmação explícita deste carisma de raiz.
O contato com P. Emmanuel d’Alzon, principalmente durante o Concílio Vaticano I, confirmou na mente de Dehon a idéia de que o caminho para restaurar a França Católica seria promover a elevação cultural do clero. Para isso o caminho seria fundar universidades católicas. Dehon pensava em dedicar toda a sua vida a este ideal, mas acabou sendo dissuadido por seu diretor espiritual, P. Freyd, que via nisso um perigo de adesão ao galicanismo. O reitor do Seminário Santa Clara, em Roma, preferia a via ultramontana. Dehon havia sido formado nesta linha e era claro em sua adesão ao Papa, apesar de sempre fervoroso em seu patriotismo. Além disso, a atração de Dehon pela vida religiosa o fazia temer que, dedicando-se à obras educacionais, acabasse disperso e sem tempo para o estudo, o que de fato acabou acontecendo em seu labor como vigário paroquial em Saint-Quentin e também, posteriormente, no Colégio São João. Parece que o ideal de Dehon estava mais na linha do “estudo” do que propriamente do “ensino”. A fundação do Oratório Diocesano seria uma forma de compensar o ideal deixado para trás. A reunião de estudos e oração dos sacerdotes da diocese seria uma forma embrionária da Congregação dos Oblatos, voltada fortemente para a reparação sacerdotal, porém não mais pela via dos estudos ou do ensino, mas pela via vitimal.
Mas, Dehon deu um passo além e caminhou em direção a uma interessante síntese entre a reparação vitimal e intelectual. Seriam duas formas de contribuir para o advento do reino do Coração de Jesus nas almas e nas sociedades. Encontramos esta síntese claramente expressa em seu Diário no dia 29 de março de 1887. Vemos neste texto, em tom de testamento espiritual, que ele realmente integrou o projeto da Congregação de Estudos, acalentado durante o tempo de seminário em Roma, com a Congregação dos Oblatos, fundada em Saint-Quentin.
Durante o tempo que estive em Roma (1869 à 1871) estive tomado pela idéia de fundar uma congregação de estudos, com seu centro em Roma e o 4º voto de defender as doutrinas romanas, mesmo as não definidas como de fé. Falei disso a muitas pessoas importantes: a Mons. Mermillod (em 1870), a Mons. Bartolini, ao Card. Pitra (em 1871); eles aprovaram este projeto. Eu tomava nota dos motivos que justificariam esta obra e do trabalho a fazer.
Não estamos diante de uma vaga intenção. Há um projeto escrito e discutido em foro externo com autoridades eclesiais eminentes. Não é um simples círculo de estudos. Ele fala de “Congregação”, inclusive com o 4º voto de divulgar e defender a doutrina da Igreja. Dehon jamais abandonou totalmente esta idéia, porém reconheceu que a Vontade de Deus escolheu outros caminhos para realizar a mesma obra. Prova disso é a anotação daquele mesmo dia em seu Diário:
Nosso Senhor me pediu uma outra obra, mas nós podemos unir os dois objetivos: o estudo segundo o espírito de Roma e a reparação ao Sagrado Coração de Jesus – A verdade e a caridade foram as duas grandes paixões da minha vida, e tenho apenas um desejo: que sejam os dois únicos atrativos da obra que deixarei, se Deus quiser.
Lendo o texto no seu conjunto, e considerando que foi escrito em 1887, portanto, dez anos após as fundações, às vésperas de receber o Decretum laudis e o mandato de Leão XIII de pregar as suas Encíclicas, percebemos que a verdade e a caridade, enfatizadas por Dehon, condensam um significado simbólico na linha de uma síntese de vida. Ou seja, a verdade é expressão de sua orientação intelectual e a caridade expressa toda a sua mística da oblação reparadora. A verdade seria a forma simbólica da “Congregação de Estudos” e a caridade da “Congregação dos Oblatos”. Em 1887, ao rever o texto das Constituições francesas já aprovadas pelo bispo, em vista da aprovação pela Santa Sé, Dehon percebe a possibilidade de unir “os dois objetivos”. Seu apostolado social, que se intensificará sempre mais a partir deste momento, será também uma forma de viver esta mística, ainda que com grande oposição dentro da Congregação.
Um olhar sobre o Diário de Dehon, permite identificar uma especial atenção à educação, em particular no ano de 1887. No dia 8 de fevereiro, ele visita o Mons. Lecot, bispo de Dijon, que lhe fala sobre suas “Casas de Educação” e da Escola Santo Inácio, dirigida por P. Bretenières. Nos dias 18 e 19 de fevereiro, ele registra que estudou “a história das doutrinas sobre a educação”. Exalta o triunfo da Igreja na educação, citando, após a escolástica, os jesuítas, Rollin, a Universidade de Paris e os beneditinos. No dia 21 de fevereiro, reflete como seria se tivesse aceito o convite de P. Hautcœur, para fundar a Universidade de Lille: “poderia ter feito algum bem, não sem sofrimentos, mas é muito maior a obra de reparação, se eu tiver a graça de permanecer fiel”. Neste tempo, Dehon está organizando os seus discursos educacionais para publicar seu primeiro livro. No dia 2 de março receberia a autorização do bispo para esta publicação. Ao mesmo tempo em que estuda os fundamentos da educação, Dehon registra em seu Diário muitas leituras sobre a espiritualidade vitimal. Seu interesse principal é sempre a imolação como instrumento de santificação do clero. Ele oferece continuamente seus sofrimentos nesta intenção. É isso que repetidamente chama de “espírito de nossa vocação”. É uma espécie de eixo integrador de toda a sua vida espiritual e apostólica. Ele está preocupado também com a formação de seus religiosos. No dia 9 de março, registra no Diário que é necessário formar melhor os membros e fazer um “recrutamento mais lento por meio de membros mais capazes e melhor formados”. Dehon recebia muitas críticas de que a rápida expansão de sua obra era ao custo de uma formação precária.
Os dias que antecederam a declaração do dia 29 de março, de que seria possível unir a obra de reparação com a obra de estudos, foram especialmente densos segundo os registros no Diário. No dia 17 de março, ao participar das exéquias de P. Guyart, vigário geral de Soissons, fica sabendo que o bispo teria a intenção de fazê-lo vigário geral, se não estivesse envolvido com a Congregação que fundara. Dehon renova “o sacrifício de toda uma carreira honorífica”. No dia 22 de março, ao celebrar o aniversário de morte de sua mãe, em La Capelle, Dehon vende a seu irmão sua principal propriedade de herança, para saldar dívidas da Congregação. No dia 24 de março, Dehon recorda o 44º aniversário de seu batismo e renova seu Ecce venio: “Quero viver e morrer pela obra do Sagrado Coração. Eu me entrego todo inteiro”. No dia seguinte prolonga sua reflexão na “festa da oblação de Jesus e de Maria”, unindo o Ecce ancilla ao Ecce venio. No dia 28 de março, ele registra a notícia da “união de preces da associação das Vítimas do Sagrado Coração, de Bourdeaux”. Seu comentário é: “Encontro lá o mesmo espírito que nos orienta, mas com um excesso de imaginação [...]”. Dehon faz a sua própria síntese da via vitimal, da espiritualidade reparadora, da profissão de imolação. Ele percebe, então, a possibilidade de “unir os dois objetivos”: a verdade e a caridade, a educação e a reparação. A anotação do dia 29 de março é especialmente longa, ao contrário do estilo sintético do Diário. Percebe-se o fruto de uma reflexão, que se prolonga com a mesma intensidade durante todo este ano de 1887.
No dia 9 de novembro, em visita a Lille, Dehon retoma a reflexão de março, porém com uma variante. Já não fala da Congregação de Estudos, mas de uma “Casa de Estudos”, que pudesse dar a cada membro da Congregação o desenvolvimento de que é capaz. Percebemos que ele integrou em sua mente os dois projetos que estavam originalmente separados. Seu registro no Diário é revelador: “Como eu gostaria de uma casa de estudos, uma nova la Chênaie, com a humildade e a docilidade à Igreja”. La Chênaie é uma referência explícita à obra de Lamennais, com seu objetivo de restaurar a França cristã pela via do estudo e da formação do clero. No dia 11 de novembro há um registro em seu Diário que explicita esta evolução do seu pensamento:
Daremos, pouco a pouco, aos estudos a importância que eles merecem em nossa obra. Gostaria de uma casa de estudos em Paris para preparar as licenças e uma em Roma para a teologia. Não é a ciência um dos principais meios de apostolado? Meus projetos da Obra de Estudos, meditados em Roma durante muitos anos, podem se aliar com a obra de reparação ao Sagrado Coração.
A partir da audiência com Leão XIII, em setembro de 1888, percebemos que Dehon intensifica seu apostolado social, funda a revista Le Règne e começa publicação de vinte livros até o final de sua vida. Em sua postura apostólica, realiza a síntese entre a orientação intelectual e vitimal, como pregador da Doutrina Social da Igreja. Porém, esta síntese não encontra eco proporcional dentro de sua Congregação, razão pela qual o projeto das “Casas de Estudo” não tenha sido da maneira como previa o projeto original de Dehon.
Vimos no registro do Diário, do dia 29 de março de 1887, que Dehon, ao projetar uma Congregação de Estudos durante o tempo de seminário, “tomava nota dos motivos que justificariam esta obra e do trabalho a fazer”. Ao redigir suas Memórias, a partir de 1886, no sexto caderno, Dehon tomou o cuidado de retomar as anotações do tempo de seminário, vinte anos depois e transcreveu “o projeto da Congregação de Estudos”. Portanto, existem três referências autógrafas da mesma obra: o Diário, as Memórias e o caderno original, preservado nos Arquivos Dehonianos.
O modo como Dehon fala deste projeto nas Memórias é o que mais nos interessa, pela quantidade de detalhes, mas também por ser um registro feito em sua maturidade, em um tempo propício para a síntese de vida, conforme verificamos na leitura do Diário. O texto não possui divisões, mas pode-se observar quatro partes bem distintas: origem da moção; fontes a estudar; motivos da obra; trabalhos a realizar.
A origem próxima do projeto é a efervescência de idéias e ideais provocada pela participação como estenógrafo no Concílio Vaticano I. Os diálogos diários com P. d’Alzon “despertaram” as preocupações com a formação do clero, que Dehon guardava desde os seus tempos de estudante de Direito em Paris. Ele afirma: “Durante dez anos senti uma atração por esta obra que eu assumi como vocação”. Após a Revolução, a Igreja na França precisou recuperar o clero destinado às funções ministeriais. Dehon afirma que esta missão estava realizada e, que agora seria “urgente” preparar uma “elite” do clero para “combater os erros filosóficos e sociais que ganhavam terreno”. Sobre isso Dehon teria conversado com P. Gratry, que lhe falou sobre “la Chesnaye” e outros grupos de estudos fundados em Paris, por Mons. Gay. As conversas com P. d’Alzon e alguns bispos indicavam que dois meios seriam necessários para conduzir a este objetivo: “o restabelecimento da Universidade Católica na França e a promoção dos estudos dentro das Ordens religiosas”. Ao final deste primeiro item, revendo as origens da moção e o modo como os acontecimentos se passaram nestes dez anos, até 1887, Dehon faz uma avaliação:
Tudo o que desejei para este movimento de estudos aconteceu sem a minha participação. Temos as Universidades livres. Não fiz outra coisa que encorajar P. d’Alzon em sua propaganda e Mons. Hautcœur em sua fundação. Não tive outra missão. Leão XIII deu grande apoio a este movimento. Suas Encíclicas renovaram o estudo filosófico e teológico tendo por base o grande método escolástico. Ele criou este movimento de estudos que eu julgava necessário dentro das ordens religiosas.
Na mente de Dehon, os dois grandes objetivos da Congregação de Estudos, teriam sido atingidos, sem sua participação direta.
Ele indica uma lista de fontes estudadas para fundamentar sua Congregação de Estudos. Da Sagrada Escritura, cita o livro de Provérbios e Ezequiel. A ênfase está na escuta da Palavra de Deus que deve ser acolhida no coração. Da Tradição, Dehon seleciona algumas obras de São Gregório Nazianzeno, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e Santo Tomás de Aquino. Do Magistério, a lista de Dehon faz referência a uma Carta que Pio IX teria escrito aos bispos da França, em junho de 1867. Da literatura filosófico-teológica, Dehon cita Gratry, Dupanloup, Franzelin, Marin de Boylesve, Mabillon, Mons. Gerbet, Crétineau-Joly. Há um destaque para a obra de Lamennais, apresentada por Lacordaire. A lista bibliográfica de Dehon indica ainda alguns artigos selecionados na revista Civiltà Cattolica do ano 1870, principalmente uma série sobre “a origem dos males presentes da sociedade”; alguns Breves de Pio IX, um a Louis Veuillot e o outro a Mons. Raffaele Coppola, por ocasião do seu livro: Sul diritto della Chiesa in ordine al pubblico insegnamento; e as orientações do bispo de Cambrai ao seu clero.
Em seguida, Dehon indica os motivos favoráveis a esta obra de desenvolvimento dos estudos. O primeiro seria combater, na raiz, as novas heresias do naturalismo, liberalismo e galicanismo, o que exigiria uma grande organização que tornasse possível, por meio de um trabalho sério, “responder aos incrédulos sobre a história, as ciências, a exegese, a economia cristã e a política”. O segundo motivo seria favorecer a melhor formação do clero. Ele defende que “após a era dos mártires deverá vir a era dos doutores”. Um terceiro motivo, que Dehon repete por três vezes, seria que a Congregação de Estudos tivesse suas raízes e fontes em Roma, reconhecendo a “prerrogativa de Pedro de ensinar e de confirmar os outros”. O quarto motivo seria a necessidade de trabalhar para a constituição de “universidades livres”, diante das universidades do Estado, sob seu ponto de vista, impregnadas dos erros liberais. Dehon inclui ainda entre os motivos, um longo trecho das Considerações de Lacordaire sobre o ideal de Lamennais defendendo a restauração das ciências religiosas como garantia de uma França católica.
O último ponto do projeto da Congregação de Estudos trata dos “trabalhos a fazer”. É uma longa lista de estudos que inclui: harmonia entre Bíblia e ciências naturais; arte profana e arte cristã; participação da Igreja na educação; a liberdade de imprensa perante o direito natural e divino; onde está a verdadeira liberdade?; Igreja, salvação das almas e proteção pelo poder público; dogma e progresso da filosofia nos últimos séculos; política e fé; ciências sociais e fé; tolerância religiosa; as impiedades do direito moderno; os papas e os concílios; a vida dos reis santos; a influência da Igreja na sociedade civil. Dehon termina a avaliação do seu projeto com uma perspectiva:
Todos estes trabalhos serão feitos. Eles serão úteis à Igreja, o Espírito Santo inspirará este pensamento a alguém. Nossa pequena família religiosa se dedicará também a este gênero de apostolado, quando tiver saído das dificuldade próprias a todo início.
A troca de correspondências deste período, principalmente entre Dehon, d’Alzon e P. Freyd, revelam que o projeto não foi levado adiante por causa da forte atração que Dehon sentia pela vida religiosa e pelo receio de que o efeito desta ação pudesse representar um apoio ao galicanismo. A demorada decisão de Dehon tinha como referencial permanente realizar a Vontade de Deus a seu respeito. Para ele, o Diretor Espiritual era uma voz fundamental na confirmação desta Vontade Divina.
Conclusões incompletas
A Congregação de Estudos não foi fundada, porém, durante toda a sua vida, Dehon conservou uma forte “orientação para o apostolado educativo”, que acabou se refletindo em sua atuação social e também no modo como ele concebeu o carisma de nossa Congregação. Podemos dizer lato sensu que Léon Dehon foi um educador. Sua vida contemplativa foi marcada pelos estudos e por um constante e atento “olhar” sobre a realidade. Mas nosso fundador não era um intelectual especulativo. Antes, poderíamos o enquadrar na categoria de “intelectual orgânico”. Seu olhar místico ou social sempre é situado no compromisso com o povo de Deus e com o Deus do povo. Um dos resultados deste método engajado de refletir é a aplicabilidade de seus escritos, sempre muito práticos.
Dizer que a dimensão educativa faz parte essencial do carisma dehoniano na sua raiz não significa dizer que devemos ter escolas. O próprio Dehon sempre fez questão de distinguir “educação” e “ensino”. Ele se reconhecia como missionário da educação das massas populares, mas teia que a tarefa do ensino em escolas fosse dispersiva demais e o levasse ao ativismo.
Os carismas não morrem e também dificilmente se deixam aprisionar por conceitos. São expressão da auto-comunicação de Deus, por meio do seu Espírito, que nos configura a Cristo. O amor de Cristo não só nos impulsiona; também nos cristifica. Os próprios fundadores têm alguma dificuldade para exprimir sua experiência de fé no momento de redigir a Regra de Vida. É melhor ler o carisma na face daqueles que o vivem e enriquecem a Igreja por transparecer uma dimensão de Cristo. Um rápido olhar sobre nossa congregação permite quantos de nós estamos envolvidos com o universo da educação. É o mesmo carisma de Dehon que continua os impulsionando. A consciência temática e reflexa desta realidade pode ajudar as novas gerações no seu discernimento vocacional e apostólico. Pode também nos ajudar como Congregação a discernir os rumos da missão. Quando um dehoniano se dedica ao estudo, ele o faz com uma motivação de raiz carismática. Se contribuimos com a Igreja local na qualidade de assessores, escritores, pregadores, professores etc, e porque herdamos o mesmo fogo que “impulsionou” Dehon.
publicado na DEHONIANA (2009)
“Buscamos a civilização da inteligência e do coração”.
Introdução
O Apostolado Educacional na vida e nas obras de Léon Dehon foi uma forma que nosso fundador encontrou de realizar a “Reparação Solidária”. Ele acreditou no potencial reparador do conhecimento. Soube unir mente, coração e mãos em um visão lúcida de Educação Integral. Isto se pode verificar tanto em obras como o Patronato São José ou o Colégio São João, como ao interno da Congregação do “Oblatos”. O próprio carisma dehoniano tem raízes educacionais. Inicialmente, ainda no tempo de estudante em Roma, Dehon programou a fundação de uma Congregação de Estudos, com o quarto voto de divulgar as doutrinas pontifícias. Ao invés desta Congregação da inteligência, acabou fundando a Congregação do Coração. Porém, dez anos depois, em 1887, Dehon reconhece que seu carisma tem estas duas faces inseparáveis: inteligência e coração. Ele chega a esta síntese entre o amor (congregação dos Oblatos) e a verdade (congregação de Estudos), como sua única herança. É neste contexto que ele afirma que a “verdade e a caridade foram as duas grandes paixões de sua vida”. Dehon jamais abandonou aquele ideal e que ele foi incorporado ao carisma e expresso em seu empenho educacional e social. Ao anunciarmos nosso carisma tradicionalmente como “Amor e Reparação”, não estamos longe desta verdade, uma vez que a reparação, conforme demonstraremos, coincide perfeitamente com esta dimensão da “Veritas”, ou seja, ser um reparador dehoniano é ser um educador. Neste sentido é muito curioso que na Província Espanhola, marcada fortmente pelo apostolado educativo, sejamos como reparadores. É emblemático que o único colégio fundado no tempo de Dehon e que ainda está sob nossa custódia, seja o de Novelda.
Conhecer estas paixões místicas de nosso fundador é fundamental para fazermos a releitura atualizada do carisma dehoniano descobrindo de que forma o “amor de Cristo o impusionou” (cf. 2Cor 5,14). O 22º Capítulo Geral será uma oportunidade de conhecer melhor este tesouro espiritual que herdamos do fundador. O amor de Cristo foi a sua grande força motivacional, do Manual do Coração de Jesus - que recebeu de sua mãe ainda na infância - até os seus Estudos sobre o Coração de Jesus, no fim da vida. Esta experiência do amor de Cristo fez de Léon Dehon um vigário paroquial, fundador, educador, escritor ou apóstolo do social. Esta dimensão apostólica de sua vida é sempre direcionada para o anúncio da verdade. Dehon tinha ouvidos de aluno e coração de educador. Foi discípulo do “amor” e missonário da “verdade”.
A partir das conclusões do Primeiro Encontro de Educadores Dehonianos, em Salamanca, no ano 2001, foi elaborado um Projeto Educativo Dehoniano (PED). A terceira parte do projeto foi escolhida como tema específico do segundo encontro de educadores (Salamanca - 2008): Adveniat Regnum tuum. Um coração aberto para educar. Mas o que significa esta expressão no contexto do carisma que nos identifica e que somos chamados a frutificar na Igreja por meio de nosso Apostolado Educacional? Façamos algumas pontuações semânticas.
Segundo nosso ponto de vista que a fórmula mais sintética do nosso carisma encontra-se no número 6 de nossa atual Regra de Vida: “União à Oblação Reparadora de Cristo ao Pai em favor da humanidade”. Para os que estão pouco acostumados a estas expressões esta frase pode soar como um amontoado de palavras antigas e de significado incerto, principalmente oblação e reparação. Temos aqui três dimensões fundamentais no carisma: união (sint unum), oblação (ecce venio - ecce ancilla) e reparação (adveniat regnum tuum). Os três principais lemas de Padre Dehon, coincidem com as três dimensões estruturantes do carisma dehoniano.
A tradução que o mundo de hoje entende para a união com Cristo poderia ser feita pela conhecida “eclesiologia de comunhão”. Para atualizar a dimensão oblativa seria melhor falarmos em termos de “disponibilidade”. A “reparação”, foi traduzida até mesmo pelo próprio Léon Dehon, em termos de “solidariedade”. Poderíamos então traduzir o carisma como “Viver em comunhão de Igreja na disponibilidade e na solidariedade”. É isso que expressa o lema que poderíamos completar: “Um coração aberto e solidário para educar”.
Dissemos que o próprio Léon Dehon traduziu a reparação em termos de solidariedade. Isto é um fato surpreendente e desconhecido para muitas pessoas. Encontramos esta tradução já em suas conferências ao noviços, entre 1880 e 1882, nas anotações do noviço Falleur. Há um outro texto mais recente que encontra-se no Diário de Dehon, no registro do dia 12 de julho de 1888, em que ele se diz tomado pelos pensamentos da solidariedade. Em seguida afirma que, assim como uma família pode ser prejudicada pelo pecado de um só, toda a humanidade pode ser abençoada pelos atos de reparação feitos por um só. Dehon atribue este efeito espiritual ao mistério da “reversibilidade” da comunhão dos santos. A reparação está inserida na soteriologia que inverte a lógica do pecado original. Já o apóstolo Paulo e principalmente Santo Irineu haviam percebido esta lógica da salvação, mas sem utilizar o termo solidariedade. Dehon utiliza esta palavra que seria assimilada teologicamente pelo magistério da Igreja apenas no Concílio Vaticano II.
É preciso ter em conta que o termo “solidariedade” em seu sentido teológico não fazia parte da linguagem teológica do tempo de Dehon. Sua origem pode ser encontrada no universo jurídico do direito romano: in solidum. Significava a obrigação que pesava sobre os credores quando cada um era tomado pelo todo. Sua acepção moderna é uma criação francesa. Augusto Compte e outros filósofos da época cultivaram a noção de solidarismo. A solidarité seria um substituto secular para a caridade cristã. No âmbito católico o termo solidariedade será utilizado pela primeira vez por Pio XII, em sua rádio-mensagem, no Natal de 1948. Em um documento oficial da Doutrina Social da Igreja o termo apareceria apenas na Mater et Magistra, de João XXIII, em 1961. Como já dissemos, somente o Concílio Vaticano II utilizaria o termo solidariedade com conteúdo especificamente teológico, na Apostolicam Actuositatem nº 8, para expressar o mistério da Encarnação. Paulo VI utilizou fartamente o termo, principalmente a partir da Populorum Progressio, e João Paulo II não economizou o recurso à palavra “solidariedade”, dando-lhe plena cidadania teológica. Bento XVI parece bem mais econômico e crítico em relação à esta linguagem.
Portanto, falar de educação na dimensão do Adveniat Regnum tuum, significa refletir sobre educação e reparação, ou melhor, educação e solidariedade. Mas esta solidariedade não pode ser reduzida a uma funcionalidade caritativa. Solidariedade não é apenas algo que fazemos; é o que somos. Ela define a nossa essência humana enquanto relacional. Define também a nossa natureza eclesial: somos corpo místico de Cristo. A apóstolo Paulo escreveu de mil maneiras sobre esta realidade radicada no batismo e expressa de modo sublime na Eucaristia. Um destes textos, muito caros a Padre Dehon, é colocado logo no início de nossas atuais Constituições como princípio e fundamento da experiência de fé do fundador: “A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gal 2,20). E conclui em termos de solidariedade cristo-ontológica: “Eu vivo, mas não sou eu que vivo; Cristo vive em mim”. Ser membro de Cristo é ser Igreja. Somos, em Cristo, um corpo sólido, solidário. É nesta realidade mística que vivemos os mistério da reparação. É o que Dehon chamava “reversibilidade da comunhão dos santos”. Hoje vivemos em uma pequena aldeia global. Nossos jovens são cada vez mais cidadãos do mundo inteiro. A sensibilidade ecológica é uma porta aberta para recuperar a relevância da reparação solidária. A “opção preferencial pelos pobres” tão cara à Igreja latino-americana não é outra coisa que a elaboração eclesial da solidariedade. A Teologia da Libertação, desde Gustavo Gutiérrez, refletiu a partir deste tema colocando como base semântica a salvação como solidariedade, ou seja “comunhão com Deus e das pessoas entre si”. Neste sentido o conceito teológico de “libertação”, não está nada distante do que Dehon traduzia pelo termo “reparação”.
Contemplando o Coração de Deus, nosso fundador experimenta o amor com que Cristo nos amou. Porém, contemplando o coração do mundo ele percebeu que a recusa ao amor de Cristo é a “causa mais profunda dos males da sociedade nos planos humano, pessoal e social”. É uma espécie de experiência negativa que chega ao amor de Deus a partir da face de Cristo, desfigurada nos irmãos pelo pecado da humanidade. Dehon é muito sensível à indiferença ao amor de Deus, especialmente por parte dos sacerdotes e consagrados. Consciente do laço de solidariedade que une a Igreja como uma família, como comunhão dos santos, ele quer corresponder ao amor menosprezado de Deus, pois entende que esta união reparadora irá contribuir para instaurar o Reino do Coração de Jesus “nas almas e nas sociedades”. Segundo Dehon, “é necessário que o culto do Coração de Jesus, começado na vida mística, nas almas, desça e penetre na vida social dos povos. Ele trará o soberano remédio para os males cruéis do nosso mundo moral.
A Reparação, portanto, é um conceito soteriológico típico do universo de linguagem da espiritualidade do Coração de Jesus. É uma forma de exprimir a complexa realidade da salvação. Nossas Constituições utilizam uma multiplicidade de outras palavras para exprimir esta mesma realidade, por exemplo: remediar, reconciliação, redenção, libertação, restauração, redenção, cura.
Esta espiritualidade reparadora não se resume em tarefas para solucionar problemas. Não podemos esquecer que a reparação nasce da disponibilidade oblativa. Sem oblação não há reparação e sem comunhão de Igreja é até possível a disponibilidade, mas sem fecundidade oblativa; é possível a solidariedade, mas sem eficácia reparadora. No coração da Igreja, ouvimos o coração de Deus para transfigurar o coração do mundo.
Também a oblação tem algo a ver com o estudo, enquanto siginifica a disponibilidade para contemplar a reaidade. Assim como Dehon procura ouvir o Coração de Deus, também é solícito em ouvir as pessoas. Sua espiritualidade não é intimista, mas provoca os sacerdotes a não ficarem apenas ocupados com o culto, mas a “ir ao povo”. Seu método pastoral nasce desta mística da escuta e parte sempre de um demorado e minuncioso olhar sobre a realidade. Normalmente, ele anota tudo, com detalhes, por exemplo, sobre economia, política, cultura. Faz parte integrante de sua identidade espiritual esta contemplação da realidade. Desta forma, o estudo adquire para ele um significado místico. Ele mesmo diz: “É necessário estudo, ação e oração. Precisamos de mestres, apóstolos e santos. Precisamos de apóstolos, homens de ação. O povo não vem mais a nós; nós devemos ir a eles!”. Sua solicitude no campo do apostolado educacional faz todo sentido nesta dimensão reparadora de sua espiritualidade. Da contemplação, do estudo, Dehon passa para a ação social de um modo natural e, às vezes, surpreendente, se pensarmos que ele viveu a maior parte de sua vida no século XIX, na aurora da Doutrina Social da Igreja.
O Projeto Educativo Dehoniano, ao falar da dimensão Adveniat Regnum Tuum, afirma que “esta expressão se refere às atitudes que reforçam a ação e o compromisso pessoal e comunitário para tornar presentes os valores do Evangelho na procura e na construção de um mundo melhor. Isto traduz-se em compromisso social efetivo, em trabalho pela Justiça e pela Paz, em ações de reparação como expressão da nossa solidariedade com todas as pessoas, num trabalho que humanize e que se resume no binômio ‘saber-ação’ ou ‘contemplação-ação’. Pretendemos uma educação para a cidadania, sendo agentes de mudança para a construção de um mundo novo, divulgando e vivendo o pensamento social da Igreja”. Esta última frase sintetiza muito bem a perspectiva eclesiológica do nosso jeito dehoniano de educar. Nossas escolas e obras educacionais devem criar condições facilitadoras para que os educandos se tornem verdadeiros cidadãos da pátria e da Igreja. Nossa educação busca ser integral no sentido de que educa para a cidadania da terra e do céu, como já recordava Léon Dehon em seu conhecido discurso educacional de 1877. Buscamos escolas reparadoras, solidárias, libertadoras. Para usar a feliz frase de nosso fundador: “Buscamos a civilização da inteligência e do coração”.
1. O pensamento de Bento XVI
O papa Bento XVI tem falado com muita freqüência sobre a importância do apostolado educacional na Igreja. No dia 17 de abril de 2008, durante sua viagem aos Estados Unidos, tornou a afirmar que “a educação é parte integrante da missão da Igreja de anunciar a boa nova”. Ouvir estas palavras do Santo Padre é muito oportuno, pois até mesmo em âmbito de Congregação SCJ, alguns ainda permanecem com aquela visão de que o envolvimento da Igreja no mundo da Educação era meramente subsidiário. A Igreja fazia o que o Estado não dava conta de fazer. A conclusão é que aonde existem escolas públicas para todos, já não faria sentido oferecer à sociedade uma escola católica.
Em seu discurso na Universidade Católica de Washington estavam presentes 235 reitores de universidade e colégios católicos, 195 responsáveis pela pastoral da educação nas dioceses e outras pessoas que somavam uma platéia de 600 pessoas. Bento XVI afirmou que “os nobres objetivos da formação acadêmica e da educação, fundados na unidade da verdade e à serviço da pessoa e da comunidade, são um poderoso instrumento de esperança contra os conflitos pessoais, a confusão moral e a fragmentação do conhecimento”. Ele convidou a refletir sobre o que é “específico” de nossas instituições católicas e como podemos contribuir para o bem da sociedade por meio da missão principal da Igreja que é evangelizar. Para o Santo Padre, a identidade de uma escola católica tem como fundamento que “o mistério da pessoa humana somente se esclarece no mistério do Verbo Encarnado. Portanto, em uma escola católica a fé deve ser “tangível”. Segundo ele, a crise da verdade, tão forte em nossos dias, tem como raiz mais profunda uma “crise de fé”. Somente por meio da fé podemos alcançar a verdade revelada. A evangelização envolve a Igreja na luta de toda a sociedade para alcançar a verdade. Segundo ele a verdade revelada “serve para toda a sociedade, purificando a razão e assegurando que permanece aberta à consideração das verdades últimas. Segundo Bento XVI, “a liberdade não é optar por não fazer algo; é a faculdade de optar por uma participação no próprio Ser, de modo que a autêntica liberdade não se pode alcançar afastando-se de Deus”. Finalmente o Santo Padre exortou os educadores a “libertar os jovens dos limites do positivismo e despertar neles a receptvidadepela verdade, por Deus e por sua bondade. Deste modo, ajudaremos também a formar a sua consciência, que enriquecida pela fé, abre um caminho seguro para a paz interior e o respeito ao próximo”.
Este pensamento educacional é claro e categórico. Claramente Bento XVI insere a educação como forma de evangelização. Categoricamente convoca os educadores a serem evangelizadores e as escolas católicas a não serem tímidas nesta tarefa, nem perderem a sua identidade cristã e mesmo católica. No fundo o papa reivindica a cidadania para a fé. Ele sabe distringuir claramente os dois lados da moeda: o universo laico e religioso. Não tem pretensões teocráticas, mas não admite a privatização da fé em nome de um sentido mal compreendido de laicidade.
Isto nos remete ao palco do debate entre educação laica e confessional na aurora da Terceira República francesa, com seu ministro da instrução Jules Ferry. Ali encontraremos o apologeta Léon Dehon defendendo um “ideal da educação segundo o ideal cristão” que até bem poucos anos parecia até mesmo superado. O discurso de Bento XVI mostra que os dogmas do positivismo não são tão eternos. A questão continua em pauta e é preciso reexaminar os argumentos. É urgente rever a atualidade de Dehon para redescobrir a essencial dimensão educativa de nosso carisma.
2. Atualidade do pensamento educacional de Léon Dehon
O Concílio Vaticano II declarou que o apostolado educacional, por meio de escolas confessionais, permanece sendo de “gravíssima importância” e uma forma eficaz e atual de evangelizar. Esta educação segundo o ideal cristão, conforme aparece literalmente expresso no proêmio da Gravissium educationis, deverá “cultivar simultaneamente a verdade e a caridade”. Estas são, exatamente, as duas categorias estruturantes da visão educacional e da experiência espiritual de Léon Dehon. Verificamos que esta é também a orientação programática do pontificado de Bento XVI. Sua primeira Encíclica, Deus caritas est, indicou esta “via do amor” como o caminho a seguir para conduzir a humanidade para além do atual momento de crise e choque entre civilizações.
Este princípio fundamental é explicitado - ainda no proêmio Gravissimum educationis - e depois desdobrado em uma série de princípios educacionais derivados:
Visto que a santa Mãe Igreja, para realizar o mandato recebido do seu fundador, de anunciar o mistério da salvação a todos os homens e de tudo restaurar em Cristo, deve cuidar de toda a vida do homem, mesmo da terrena enquanto está relacionada com a vocação celeste, tem a sua parte no progresso e ampliação da educação.
É o mesmo conceito fundamental que encontramos de modo transversal ao longo de todos os escritos educacionais de Dehon. Seu propósito era “educar para a vida terrena enquanto se relaciona com a vocação celeste”. O ideal, já presente em Platão, de educar para a vida eterna é explitamente afirmado por Dehon, que defende a “educação segundo o ideal cristão”.
Outro aspecto deste texto que verificamos nos escritos dehonianos é a perspectiva de “tudo restaurar em Cristo”. Este potencial reparador do conhecimento é uma das bases mais sólidas da orientação intelectual do apostolado de Léon Dehon. Ele acreditava que por meio do estudo, da formação do clero, da divulgação das Doutrinas Pontifícias, seria possível realizar a “obra de reparação” desejada pelo Coração de Jesus.
Há um terceiro elemento no proêmio da Gravissimum educationis que aparece de modo fundamental e estruturante na obra de Dehon: “cuidar de toda a vida do homem”. Isto sempre aparece expresso no modo como Dehon entende a atuação da Igreja no mundo da cultura.
A partir destes princípios fundamentais - que coincidem perfeitamente com a visão de Dehon - a Gravissimum educationis aponta princípios derivados, porém igualmente fundamentais, que deveriam nortear a ação da Igreja Católica no campo do apostolado intelectual. O tom destes princípios é marcadamente jurídico, enquanto afirmam o direito inalienável de todos à educação. Porém, de igual modo, crianças e adolescentes têm o “sagrado direito” de serem educadas em valores morais “bem como a conhecer e a amar Deus mais perfeitamente”. Portanto, o direito à “educação religiosa” é um valor absoluto. Os cristãos, por sua vez, têm o direito a uma educação cristã, para “se aproximarem do homem perfeito, da idade plena em Cristo”. A Igreja assume a responsabilidade da família e da sociedade civil nesta missão, por meio de escolas confessionais. São princípios do Magistério recente da Igreja que encontramos claramente enunciados no discurso programático de Léon Dehon, em 1877.
A Escola Católica é um direito da Igreja, pois os pais têm o direito de escolher a escola para seus filhos. A mesma defesa enérgica deste direito já era uma das tônicas do discurso de Dehon, diante da reforma de Ferry.
Em relação às escolas não-católicas, a Gravissimum educacionis, lembra aos pais cristãos o seu dever de educar os filhos na fé, porém louva as autoridades e sociedades civis que “tendo em conta o pluralismo da sociedade hodierna e atendendo à justa liberdade religiosa, ajudam as famílias para que a educação dos filhos possa ser dada em todas as escolas segundo princípios morais e religiosos das mesmas famílias”. Neste sentido há uma crítica discreta, mas clara, da Escola Neutra, ou escola sem Deus. Percebemos que, mesmo nos atuais documentos do Magistério, a eficácia da total laicidade do ensino é colocada em dúvida. Uma educação sem Deus jamais poderá atingir a pessoa em sua totalidade. A perplexidade de Dehon diante da proposta educacional da Terceira República não está aprisionada no século XIX. Ainda hoje, a escola laica é um instrumento eficaz para construir uma sociedade sem Deus. Os frutos desta educação podem ser vistos em muitos países onde já se fala de “civilização pós-cristã”.
Os princípios fundamentais, enunciados pelo Concílio, foram explicitados em uma série de documentos emanados pela Congregação para a Educação Católica. Um dos principais, em 1977, foi A Escola Católica, que procura indicar o que caracteriza a catolicidade de uma escola, mesmo em meio às diversas legislações e ao pluralismo do mundo moderno. Afirma-se novamente a missão evangelizadora e salvífica da Escola Católica. Ela é um meio para que a Igreja realize sua missão. “O projeto educativo da Escola Católica, que deve ter em conta os atuais condicionamentos culturais, define-se precisamente pela referência explícita ao Evangelho de Jesus Cristo, que deve radicar-se na consciência dos fiéis”.
O mesmo documento apresenta uma série de “objeções” à Escola Católica que coincidem com as “acusações” que estavam na base da apologia de Léon Dehon da educação segundo o ideal cristão. Isto pode ser verificado já na primeira objeção apontada pelo documento da Congregação para a Educação Católica:
Convém ter presente, em primeiro lugar, que muitos, dentro e fora da Igreja, levados por um sentido de laicidade mal entendido, atacam a Escola Católica como instituição. Não admitem que a Igreja possa oferecer, além do testemunho individual dos seus membros, o testemunho específico de instituições próprias, consagradas, por exemplo, à investigação da verdade ou a obras de caridade.
Este foi, na verdade, o núcleo de todos os embates educacionais de Dehon. As outras objeções identificadas pelo documento atual são que a Igreja Católica procura “instrumentalizar” a escola para fins religiosos e confessionais; que a Escola Católica é uma “instituição anacrônica”, pois já não se justifica seu papel de suplência em relação ao Estado; que oferece educação apenas para as elites; que não sabe formar cristãos comprometidos no campo social e político. O documento defende a presença da Igreja no mundo da educação como aquela que é capaz de educar de modo verdadeiramente integral, promovendo a síntese entre fé e vida, entre fé e cultura, pois “é consciente de estar comprometida na promoção do homem integral, porque em Cristo, o Homem perfeito, todos os valores humanos encontram a sua realização plena e, portanto, a sua humanidade”. A semelhança deste texto com o discurso de Dehon, em 1877, é evidente, quando ele afirma que “o rumo da educação depende da idéia que exista sobre o homem perfeito. A imensa superioridade da educação cristã sobre as demais se deve ao fato de ela ter como seu objetivo e seu ideal a perfeição total e sobrenatural do homem nesta vida e na outra”.
O que está em jogo é a escola como um lugar onde é possível a experiência de Deus, para que a educação atinja a pessoa em todas as suas dimensões. Portanto, a síntese entre espiritualidade e educação é uma reivindicação dehoniana que permanece muito atual. A revisão póstuma da pedagogia dehoniana feita por Albert Delloue, em 1927, na celebração dos cinqüenta anos do Colégio São João, identificou este núcleo fundante quando disse que havia um contraste entre os ideais do ensino oficial e da educação cristã. A primeira, negativa e materialista, “não considera mais do que a vida neste mundo que passa, esquecendo o nosso destino eterno e os meios para chegar lá”. A segunda tem como fundamento da educação “a idéia religiosa levada a todo o momento à prática”. Este segundo elemento apareceu recentemente, em 1988, no documento da Congregação para a Educação Católica: Dimensão Religiosa na educação na escola católica. Mostra-se a importância da dimensão religiosa da vida, principalmente na condição juvenil; a necessária dimensão religiosa do ambiente educativo católico, que deve transparecer até mesmo nas instalações físicas; o significado da dimensão religiosa da vida e do trabalho escolar, principalmente o papel do ensino religioso; enfim, a dimensão religiosa do processo educativo, segundo o ideal cristão:
Poder-se-ia descrever, portanto, o processo educativo cristão como um conjunto orgânico de fatores orientados a promover uma evolução gradual de todas as capacidades do aluno, de modo que possa alcançar uma educação integral no quadro da dimensão religiosa cristã, com o auxílio da graça. Não interessa o nome mas a realidade do processo educativo: ele assegura o trabalho homogêneo dos educadores, evitando intervenções ocasionais, fragmentárias, não coordenadas, talvez acompanhadas de conflitos de opiniões entre os mesmos educadores, com grave dano para o desenvolvimento da personalidade dos alunos.
O mesmo documento afirma que este “processo educativo”, deve ser transformado nas Escolas Católicas em “Projeto Educativo”. É o que Delloue descreveu na pedagogia de Dehon como “idéia religiosa levada a todo momento à prática". No caso, esta idéia religiosa não era uma vaga abstração, mas o Sagrado Coração de Jesus como ideal do humano perfeito. Isto é dito explicitamente na abertura de seu livro sobre educação e enunciado definitivamente pela inclusão do sermão sobre o Coração de Jesus como capítulo final do mesmo livro. Dehon estava convencido que “educar um cristão significa formar um homem de coração.
A Congregação para a Educação Católica lançou, em 1997, o documento: A Escola Catolica no limiar do Terceiro Milênio. Identifica uma crise de valores que assume as formas de “subjetivismo difuso, relativismo moral e nihilismo” e que exige corajosa renovação da Escola Católica. O documento relembra as características fundamentais da Escola Católica:
A escola católica como lugar de educação integral da pessoa humana através de um projeto educativo claro que tem o seu fundamento em Cristo; a sua identidade eclesial e cultural; a sua missão de caridade educativa; o seu serviço social; o estilo educativo que deve caracterizar a sua comunidade educante.
O mesmo documento critica a situação atual da escola que tende a redução à educação técnica e funcional, o que implica em uma fragmentação ainda maior do saber. Os valores são tratados de maneira genérica e “tendem a adormecer a escola em um presumível neutralismo, que enfraquece o potencial educativo e se reflete negativamente sobre a formação dos alunos”. A Escola Neutra é novamente questionada, pois procura responder ao “como” educar, mas não tem respostas mais profundas ao “porque”. As questões que motivavam os discursos de Dehon continuam na ordem do dia. “Na prática, a maior parte das vezes, à pretendida neutralidade escolar, corresponde a remoção da referência religiosa no campo da cultura e da educação”. No limiar do Terceiro Milênio a Igreja Católica continua afirmando que o Projeto Educativo cristão deve ser inspirado no Evangelho, pois “o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo Encarnado.
Poderíamos citar ainda outros documentos posteriores da Congregação para a Educação Católica, que indicam o papel de leigos e religiosos na escola, porém, pelas indicações feitas, é possível perceber não apenas a evidente atualidade do núcleo estruturante da experiência espiritual de Dehon, que está justamente na reivindicação da dimensão mística como essencial, mas também que o projeto de uma educação completamente laicizada continua encontrando a resistência da Igreja Católica. A reflexão atual é mais elaborada e leva em conta o pluralismo religioso e a liberdade religiosa. Porém, a Escola Neutra, ou Escola sem Deus, continua recebendo o olhar cético do Magistério.
3. Educar em comunhão com a Igreja na raiz do carisma dehoniano
Apesar das nossas atuais Constituições não incluirem o apostolado educacional entre as “orientações apostólicas herdadas do fundador”, a educação em comunhão de Igreja sempre esteve no horizonte carismático de Léon Dehon. Já no tempo de estudante universitário em Paris, ele sonhava em poder contribuir de alguma forma para sanar as deficiências culturais do clero de seu tempo. Observe como estão implicados aqui três elementos: Igreja, educação, reparação. O jovem Dehon percebia que o “advento do Reino do Coração de Jesus”, tão desejado pela Igreja de seu tempo, não seria possível com um clero que não tivesse condições culturais de dialogar e debater com as elites pensantes do país. Ele acreditava no potencial reparador do conhecimento. Como seminarista, em Roma, esta inquitação tornou-se ainda mais latente e teve seu ápice durante o Concílio Vaticano I, quando chegou a projetar com detalhes a fundação de uma “Congregação de Estudos”. Este fato nos interessa muito neste momento em que buscamos entender o significado da comunhão com a Igreja na dimensão educacional do nosso carisma. O período que vai do Vaticano I, marcado pelo pontificado de Pio IX, até o célebre encontro com Leão XIII, em 1888 representam vinte anos do discernimento de Dehon que vai entendendo paulatinamente a vontade de Deus a seu respeito e a respeito da congregação dos Oblatos, que ele fundara. Ao dizer, em 1887, que o “amor e a verdade foram as duas grandes paixões da sua vida”, nosso fundador revela que a espiritualidade do Coração de Jesus e a Mística de Educador são duas grandes pilastras do carisma que ele recebeu de Deus. Ele sempre viveu estas duas dimensões como os dois lados do seu coração. Podemos afirmar mesmo que o seu empenho educacional e também social são expressões da congregação que ele queria ter fundado. O mandato recebido de Leão XIII: “Prega as minhas Encíclicas”, não é mais do que a confirmação explícita deste carisma de raiz.
O contato com P. Emmanuel d’Alzon, principalmente durante o Concílio Vaticano I, confirmou na mente de Dehon a idéia de que o caminho para restaurar a França Católica seria promover a elevação cultural do clero. Para isso o caminho seria fundar universidades católicas. Dehon pensava em dedicar toda a sua vida a este ideal, mas acabou sendo dissuadido por seu diretor espiritual, P. Freyd, que via nisso um perigo de adesão ao galicanismo. O reitor do Seminário Santa Clara, em Roma, preferia a via ultramontana. Dehon havia sido formado nesta linha e era claro em sua adesão ao Papa, apesar de sempre fervoroso em seu patriotismo. Além disso, a atração de Dehon pela vida religiosa o fazia temer que, dedicando-se à obras educacionais, acabasse disperso e sem tempo para o estudo, o que de fato acabou acontecendo em seu labor como vigário paroquial em Saint-Quentin e também, posteriormente, no Colégio São João. Parece que o ideal de Dehon estava mais na linha do “estudo” do que propriamente do “ensino”. A fundação do Oratório Diocesano seria uma forma de compensar o ideal deixado para trás. A reunião de estudos e oração dos sacerdotes da diocese seria uma forma embrionária da Congregação dos Oblatos, voltada fortemente para a reparação sacerdotal, porém não mais pela via dos estudos ou do ensino, mas pela via vitimal.
Mas, Dehon deu um passo além e caminhou em direção a uma interessante síntese entre a reparação vitimal e intelectual. Seriam duas formas de contribuir para o advento do reino do Coração de Jesus nas almas e nas sociedades. Encontramos esta síntese claramente expressa em seu Diário no dia 29 de março de 1887. Vemos neste texto, em tom de testamento espiritual, que ele realmente integrou o projeto da Congregação de Estudos, acalentado durante o tempo de seminário em Roma, com a Congregação dos Oblatos, fundada em Saint-Quentin.
Durante o tempo que estive em Roma (1869 à 1871) estive tomado pela idéia de fundar uma congregação de estudos, com seu centro em Roma e o 4º voto de defender as doutrinas romanas, mesmo as não definidas como de fé. Falei disso a muitas pessoas importantes: a Mons. Mermillod (em 1870), a Mons. Bartolini, ao Card. Pitra (em 1871); eles aprovaram este projeto. Eu tomava nota dos motivos que justificariam esta obra e do trabalho a fazer.
Não estamos diante de uma vaga intenção. Há um projeto escrito e discutido em foro externo com autoridades eclesiais eminentes. Não é um simples círculo de estudos. Ele fala de “Congregação”, inclusive com o 4º voto de divulgar e defender a doutrina da Igreja. Dehon jamais abandonou totalmente esta idéia, porém reconheceu que a Vontade de Deus escolheu outros caminhos para realizar a mesma obra. Prova disso é a anotação daquele mesmo dia em seu Diário:
Nosso Senhor me pediu uma outra obra, mas nós podemos unir os dois objetivos: o estudo segundo o espírito de Roma e a reparação ao Sagrado Coração de Jesus – A verdade e a caridade foram as duas grandes paixões da minha vida, e tenho apenas um desejo: que sejam os dois únicos atrativos da obra que deixarei, se Deus quiser.
Lendo o texto no seu conjunto, e considerando que foi escrito em 1887, portanto, dez anos após as fundações, às vésperas de receber o Decretum laudis e o mandato de Leão XIII de pregar as suas Encíclicas, percebemos que a verdade e a caridade, enfatizadas por Dehon, condensam um significado simbólico na linha de uma síntese de vida. Ou seja, a verdade é expressão de sua orientação intelectual e a caridade expressa toda a sua mística da oblação reparadora. A verdade seria a forma simbólica da “Congregação de Estudos” e a caridade da “Congregação dos Oblatos”. Em 1887, ao rever o texto das Constituições francesas já aprovadas pelo bispo, em vista da aprovação pela Santa Sé, Dehon percebe a possibilidade de unir “os dois objetivos”. Seu apostolado social, que se intensificará sempre mais a partir deste momento, será também uma forma de viver esta mística, ainda que com grande oposição dentro da Congregação.
Um olhar sobre o Diário de Dehon, permite identificar uma especial atenção à educação, em particular no ano de 1887. No dia 8 de fevereiro, ele visita o Mons. Lecot, bispo de Dijon, que lhe fala sobre suas “Casas de Educação” e da Escola Santo Inácio, dirigida por P. Bretenières. Nos dias 18 e 19 de fevereiro, ele registra que estudou “a história das doutrinas sobre a educação”. Exalta o triunfo da Igreja na educação, citando, após a escolástica, os jesuítas, Rollin, a Universidade de Paris e os beneditinos. No dia 21 de fevereiro, reflete como seria se tivesse aceito o convite de P. Hautcœur, para fundar a Universidade de Lille: “poderia ter feito algum bem, não sem sofrimentos, mas é muito maior a obra de reparação, se eu tiver a graça de permanecer fiel”. Neste tempo, Dehon está organizando os seus discursos educacionais para publicar seu primeiro livro. No dia 2 de março receberia a autorização do bispo para esta publicação. Ao mesmo tempo em que estuda os fundamentos da educação, Dehon registra em seu Diário muitas leituras sobre a espiritualidade vitimal. Seu interesse principal é sempre a imolação como instrumento de santificação do clero. Ele oferece continuamente seus sofrimentos nesta intenção. É isso que repetidamente chama de “espírito de nossa vocação”. É uma espécie de eixo integrador de toda a sua vida espiritual e apostólica. Ele está preocupado também com a formação de seus religiosos. No dia 9 de março, registra no Diário que é necessário formar melhor os membros e fazer um “recrutamento mais lento por meio de membros mais capazes e melhor formados”. Dehon recebia muitas críticas de que a rápida expansão de sua obra era ao custo de uma formação precária.
Os dias que antecederam a declaração do dia 29 de março, de que seria possível unir a obra de reparação com a obra de estudos, foram especialmente densos segundo os registros no Diário. No dia 17 de março, ao participar das exéquias de P. Guyart, vigário geral de Soissons, fica sabendo que o bispo teria a intenção de fazê-lo vigário geral, se não estivesse envolvido com a Congregação que fundara. Dehon renova “o sacrifício de toda uma carreira honorífica”. No dia 22 de março, ao celebrar o aniversário de morte de sua mãe, em La Capelle, Dehon vende a seu irmão sua principal propriedade de herança, para saldar dívidas da Congregação. No dia 24 de março, Dehon recorda o 44º aniversário de seu batismo e renova seu Ecce venio: “Quero viver e morrer pela obra do Sagrado Coração. Eu me entrego todo inteiro”. No dia seguinte prolonga sua reflexão na “festa da oblação de Jesus e de Maria”, unindo o Ecce ancilla ao Ecce venio. No dia 28 de março, ele registra a notícia da “união de preces da associação das Vítimas do Sagrado Coração, de Bourdeaux”. Seu comentário é: “Encontro lá o mesmo espírito que nos orienta, mas com um excesso de imaginação [...]”. Dehon faz a sua própria síntese da via vitimal, da espiritualidade reparadora, da profissão de imolação. Ele percebe, então, a possibilidade de “unir os dois objetivos”: a verdade e a caridade, a educação e a reparação. A anotação do dia 29 de março é especialmente longa, ao contrário do estilo sintético do Diário. Percebe-se o fruto de uma reflexão, que se prolonga com a mesma intensidade durante todo este ano de 1887.
No dia 9 de novembro, em visita a Lille, Dehon retoma a reflexão de março, porém com uma variante. Já não fala da Congregação de Estudos, mas de uma “Casa de Estudos”, que pudesse dar a cada membro da Congregação o desenvolvimento de que é capaz. Percebemos que ele integrou em sua mente os dois projetos que estavam originalmente separados. Seu registro no Diário é revelador: “Como eu gostaria de uma casa de estudos, uma nova la Chênaie, com a humildade e a docilidade à Igreja”. La Chênaie é uma referência explícita à obra de Lamennais, com seu objetivo de restaurar a França cristã pela via do estudo e da formação do clero. No dia 11 de novembro há um registro em seu Diário que explicita esta evolução do seu pensamento:
Daremos, pouco a pouco, aos estudos a importância que eles merecem em nossa obra. Gostaria de uma casa de estudos em Paris para preparar as licenças e uma em Roma para a teologia. Não é a ciência um dos principais meios de apostolado? Meus projetos da Obra de Estudos, meditados em Roma durante muitos anos, podem se aliar com a obra de reparação ao Sagrado Coração.
A partir da audiência com Leão XIII, em setembro de 1888, percebemos que Dehon intensifica seu apostolado social, funda a revista Le Règne e começa publicação de vinte livros até o final de sua vida. Em sua postura apostólica, realiza a síntese entre a orientação intelectual e vitimal, como pregador da Doutrina Social da Igreja. Porém, esta síntese não encontra eco proporcional dentro de sua Congregação, razão pela qual o projeto das “Casas de Estudo” não tenha sido da maneira como previa o projeto original de Dehon.
Vimos no registro do Diário, do dia 29 de março de 1887, que Dehon, ao projetar uma Congregação de Estudos durante o tempo de seminário, “tomava nota dos motivos que justificariam esta obra e do trabalho a fazer”. Ao redigir suas Memórias, a partir de 1886, no sexto caderno, Dehon tomou o cuidado de retomar as anotações do tempo de seminário, vinte anos depois e transcreveu “o projeto da Congregação de Estudos”. Portanto, existem três referências autógrafas da mesma obra: o Diário, as Memórias e o caderno original, preservado nos Arquivos Dehonianos.
O modo como Dehon fala deste projeto nas Memórias é o que mais nos interessa, pela quantidade de detalhes, mas também por ser um registro feito em sua maturidade, em um tempo propício para a síntese de vida, conforme verificamos na leitura do Diário. O texto não possui divisões, mas pode-se observar quatro partes bem distintas: origem da moção; fontes a estudar; motivos da obra; trabalhos a realizar.
A origem próxima do projeto é a efervescência de idéias e ideais provocada pela participação como estenógrafo no Concílio Vaticano I. Os diálogos diários com P. d’Alzon “despertaram” as preocupações com a formação do clero, que Dehon guardava desde os seus tempos de estudante de Direito em Paris. Ele afirma: “Durante dez anos senti uma atração por esta obra que eu assumi como vocação”. Após a Revolução, a Igreja na França precisou recuperar o clero destinado às funções ministeriais. Dehon afirma que esta missão estava realizada e, que agora seria “urgente” preparar uma “elite” do clero para “combater os erros filosóficos e sociais que ganhavam terreno”. Sobre isso Dehon teria conversado com P. Gratry, que lhe falou sobre “la Chesnaye” e outros grupos de estudos fundados em Paris, por Mons. Gay. As conversas com P. d’Alzon e alguns bispos indicavam que dois meios seriam necessários para conduzir a este objetivo: “o restabelecimento da Universidade Católica na França e a promoção dos estudos dentro das Ordens religiosas”. Ao final deste primeiro item, revendo as origens da moção e o modo como os acontecimentos se passaram nestes dez anos, até 1887, Dehon faz uma avaliação:
Tudo o que desejei para este movimento de estudos aconteceu sem a minha participação. Temos as Universidades livres. Não fiz outra coisa que encorajar P. d’Alzon em sua propaganda e Mons. Hautcœur em sua fundação. Não tive outra missão. Leão XIII deu grande apoio a este movimento. Suas Encíclicas renovaram o estudo filosófico e teológico tendo por base o grande método escolástico. Ele criou este movimento de estudos que eu julgava necessário dentro das ordens religiosas.
Na mente de Dehon, os dois grandes objetivos da Congregação de Estudos, teriam sido atingidos, sem sua participação direta.
Ele indica uma lista de fontes estudadas para fundamentar sua Congregação de Estudos. Da Sagrada Escritura, cita o livro de Provérbios e Ezequiel. A ênfase está na escuta da Palavra de Deus que deve ser acolhida no coração. Da Tradição, Dehon seleciona algumas obras de São Gregório Nazianzeno, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e Santo Tomás de Aquino. Do Magistério, a lista de Dehon faz referência a uma Carta que Pio IX teria escrito aos bispos da França, em junho de 1867. Da literatura filosófico-teológica, Dehon cita Gratry, Dupanloup, Franzelin, Marin de Boylesve, Mabillon, Mons. Gerbet, Crétineau-Joly. Há um destaque para a obra de Lamennais, apresentada por Lacordaire. A lista bibliográfica de Dehon indica ainda alguns artigos selecionados na revista Civiltà Cattolica do ano 1870, principalmente uma série sobre “a origem dos males presentes da sociedade”; alguns Breves de Pio IX, um a Louis Veuillot e o outro a Mons. Raffaele Coppola, por ocasião do seu livro: Sul diritto della Chiesa in ordine al pubblico insegnamento; e as orientações do bispo de Cambrai ao seu clero.
Em seguida, Dehon indica os motivos favoráveis a esta obra de desenvolvimento dos estudos. O primeiro seria combater, na raiz, as novas heresias do naturalismo, liberalismo e galicanismo, o que exigiria uma grande organização que tornasse possível, por meio de um trabalho sério, “responder aos incrédulos sobre a história, as ciências, a exegese, a economia cristã e a política”. O segundo motivo seria favorecer a melhor formação do clero. Ele defende que “após a era dos mártires deverá vir a era dos doutores”. Um terceiro motivo, que Dehon repete por três vezes, seria que a Congregação de Estudos tivesse suas raízes e fontes em Roma, reconhecendo a “prerrogativa de Pedro de ensinar e de confirmar os outros”. O quarto motivo seria a necessidade de trabalhar para a constituição de “universidades livres”, diante das universidades do Estado, sob seu ponto de vista, impregnadas dos erros liberais. Dehon inclui ainda entre os motivos, um longo trecho das Considerações de Lacordaire sobre o ideal de Lamennais defendendo a restauração das ciências religiosas como garantia de uma França católica.
O último ponto do projeto da Congregação de Estudos trata dos “trabalhos a fazer”. É uma longa lista de estudos que inclui: harmonia entre Bíblia e ciências naturais; arte profana e arte cristã; participação da Igreja na educação; a liberdade de imprensa perante o direito natural e divino; onde está a verdadeira liberdade?; Igreja, salvação das almas e proteção pelo poder público; dogma e progresso da filosofia nos últimos séculos; política e fé; ciências sociais e fé; tolerância religiosa; as impiedades do direito moderno; os papas e os concílios; a vida dos reis santos; a influência da Igreja na sociedade civil. Dehon termina a avaliação do seu projeto com uma perspectiva:
Todos estes trabalhos serão feitos. Eles serão úteis à Igreja, o Espírito Santo inspirará este pensamento a alguém. Nossa pequena família religiosa se dedicará também a este gênero de apostolado, quando tiver saído das dificuldade próprias a todo início.
A troca de correspondências deste período, principalmente entre Dehon, d’Alzon e P. Freyd, revelam que o projeto não foi levado adiante por causa da forte atração que Dehon sentia pela vida religiosa e pelo receio de que o efeito desta ação pudesse representar um apoio ao galicanismo. A demorada decisão de Dehon tinha como referencial permanente realizar a Vontade de Deus a seu respeito. Para ele, o Diretor Espiritual era uma voz fundamental na confirmação desta Vontade Divina.
Conclusões incompletas
A Congregação de Estudos não foi fundada, porém, durante toda a sua vida, Dehon conservou uma forte “orientação para o apostolado educativo”, que acabou se refletindo em sua atuação social e também no modo como ele concebeu o carisma de nossa Congregação. Podemos dizer lato sensu que Léon Dehon foi um educador. Sua vida contemplativa foi marcada pelos estudos e por um constante e atento “olhar” sobre a realidade. Mas nosso fundador não era um intelectual especulativo. Antes, poderíamos o enquadrar na categoria de “intelectual orgânico”. Seu olhar místico ou social sempre é situado no compromisso com o povo de Deus e com o Deus do povo. Um dos resultados deste método engajado de refletir é a aplicabilidade de seus escritos, sempre muito práticos.
Dizer que a dimensão educativa faz parte essencial do carisma dehoniano na sua raiz não significa dizer que devemos ter escolas. O próprio Dehon sempre fez questão de distinguir “educação” e “ensino”. Ele se reconhecia como missionário da educação das massas populares, mas teia que a tarefa do ensino em escolas fosse dispersiva demais e o levasse ao ativismo.
Os carismas não morrem e também dificilmente se deixam aprisionar por conceitos. São expressão da auto-comunicação de Deus, por meio do seu Espírito, que nos configura a Cristo. O amor de Cristo não só nos impulsiona; também nos cristifica. Os próprios fundadores têm alguma dificuldade para exprimir sua experiência de fé no momento de redigir a Regra de Vida. É melhor ler o carisma na face daqueles que o vivem e enriquecem a Igreja por transparecer uma dimensão de Cristo. Um rápido olhar sobre nossa congregação permite quantos de nós estamos envolvidos com o universo da educação. É o mesmo carisma de Dehon que continua os impulsionando. A consciência temática e reflexa desta realidade pode ajudar as novas gerações no seu discernimento vocacional e apostólico. Pode também nos ajudar como Congregação a discernir os rumos da missão. Quando um dehoniano se dedica ao estudo, ele o faz com uma motivação de raiz carismática. Se contribuimos com a Igreja local na qualidade de assessores, escritores, pregadores, professores etc, e porque herdamos o mesmo fogo que “impulsionou” Dehon.
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Tragédia em Santa Catarina
No último final de semana ouvimos da boca de Jesus o dramático evangelho do Juízo final (Mateus 25): Estive com fome, sede, frio, preso, sem abrigo, sem roupa… e me ajudastes. Precisamos rezar, mas é preciso fazer um pouco mais.
Há multidões na Bela Santa Catarina que passam dias sem comer… não há água potável. Sei muito bem o que isso significa, pois passei por esta situação em 1984, quando a casa de meus pais foi completamente tomada pelas águas. O pior são os dias após a enchente. Como nosso estado é cheio de montanhas, a chuva prolongada leva o barro para os rios e para dentro das casas. É como se fosse um vulcão de lavas frias. A maioria dos mortos nesta tragédia foi tomado de surpresa pela queda de algum morro. Não estamos falando de ocupação ilegal de morros. Em Pomerode uma pessoa morreu em sua casa, em meio à mata virgem… o morro literalmente se derreteu. O momento é de ajuda urgente.
Mas já está chegando o momento da reflexão. Conhecendo meu povo, sei que Santa Catarina se tornará para o mundo um exemplo de preservação ambiental e de luta pela ecologia. Quem quiser ajudar neste momento dramático, aqui vão alguns contatos seguros:
Doações em dinheiro, de qualquer parte do Brasil, podem ser feitas utilizando as contas bancárias a seguir:
FLORIANÓPOLIS:
Banco do Brasil, agência 3174-7, conta 17611-7, em nome de Ação Social Arquidiocesana/Flagelados SC 2008. Mais informações: (48) 3224.8776 ou pelo e-mail asa@arquifln.org.br
JOINVILLE:
Banco BESC, agência 014, c/c 130.786- 2. A campanha é promovida pela Associação Diocesana de Promoção Social. Mais informações: (47) 3451.3715/3716 ou pelo e-mail adipros@diocesejlle.com.br
BLUMENAU:
Banco Itaú Agencia 6407 c/c 07004-1 Cáritas - Diocese de Blumenau emergência”. Mais informações: (47) 3323.6952 ou 3322.4435 (cúria) ou pelo e-mail dioceseblumenau@terra.com.br
Há multidões na Bela Santa Catarina que passam dias sem comer… não há água potável. Sei muito bem o que isso significa, pois passei por esta situação em 1984, quando a casa de meus pais foi completamente tomada pelas águas. O pior são os dias após a enchente. Como nosso estado é cheio de montanhas, a chuva prolongada leva o barro para os rios e para dentro das casas. É como se fosse um vulcão de lavas frias. A maioria dos mortos nesta tragédia foi tomado de surpresa pela queda de algum morro. Não estamos falando de ocupação ilegal de morros. Em Pomerode uma pessoa morreu em sua casa, em meio à mata virgem… o morro literalmente se derreteu. O momento é de ajuda urgente.
Mas já está chegando o momento da reflexão. Conhecendo meu povo, sei que Santa Catarina se tornará para o mundo um exemplo de preservação ambiental e de luta pela ecologia. Quem quiser ajudar neste momento dramático, aqui vão alguns contatos seguros:
Doações em dinheiro, de qualquer parte do Brasil, podem ser feitas utilizando as contas bancárias a seguir:
FLORIANÓPOLIS:
Banco do Brasil, agência 3174-7, conta 17611-7, em nome de Ação Social Arquidiocesana/Flagelados SC 2008. Mais informações: (48) 3224.8776 ou pelo e-mail asa@arquifln.org.br
JOINVILLE:
Banco BESC, agência 014, c/c 130.786- 2. A campanha é promovida pela Associação Diocesana de Promoção Social. Mais informações: (47) 3451.3715/3716 ou pelo e-mail adipros@diocesejlle.com.br
BLUMENAU:
Banco Itaú Agencia 6407 c/c 07004-1 Cáritas - Diocese de Blumenau emergência”. Mais informações: (47) 3323.6952 ou 3322.4435 (cúria) ou pelo e-mail dioceseblumenau@terra.com.br
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
As sete virtudes do líder amoroso
Quem ama dá a vida, faz-se presente. Quem ama vive em nome do Pai, que é a fonte de todo o amor; em nome do Filho, por quem todos nós somos amados; e em nome do Espírito Santo, que é o próprio amor de Deus derramado em nossos corações.
Um dos líderes amorosos que Jesus escolheu para segui-Lo chama-se Paulo. Este ano, estamos comemorando os 2 mil anos de nascimento deste grande homem da Igreja. Se Deus é amor e se somos filhos d'Ele, somos amor. Mas será que o amor está em nós o tempo todo? A resposta para essas questões encontrei na I Carta aos Coríntios.
Um dos líderes amorosos que Jesus escolheu para segui-Lo chama-se Paulo. Este ano, estamos comemorando os 2 mil anos de nascimento deste grande homem da Igreja. Se Deus é amor e se somos filhos d'Ele, somos amor. Mas será que o amor está em nós o tempo todo? A resposta para essas questões encontrei na I Carta aos Coríntios.
Comecei a perguntar-me sobre essas coisas e isso me levou a escrever o livro “As sete virtudes do líder amoroso”. Ele surgiu do gosto amargo e da inquietude em responder a todas essas perguntas desafiadoras. O amor pode funcionar no mundo do comércio, das empresas e da indústria? Em que dimensão? Ou é apenas um princípio religioso que deve ser vivido privadamente no âmbito da família e da amizade. Mas negócios... bem, negócios à parte! Será?
Quando James C. Hunter escreveu seu best-seller “O Monge e o Executivo”, teve uma intuição genial sobre a essência da liderança: verdadeiro líder é aquele que tem autoridade e não simplesmente aquele que tem o poder. Com a autoridade, conseguimos influenciar as pessoas para que o grupo, de modo coeso, atinja os seus objetivos. Toda sociedade precisa de um líder. Toda empresa de sucesso tem, em sua história, alguém que soube exercer a liderança de um modo determinante e influenciou as pessoas em vista do bem comum.
"Amor não é apenas sentimento, nem se resume em práticas de caridade"
Ao propor a liderança amorosa, como caminho para a gestão de negócios, precisamos, antes de tudo, saber exatamente do que estamos falando. “Amor” é uma palavra desgastada pelo tempo, pelo uso e pelo abuso. Aquilo que significa "quase tudo" pode não significar "quase nada". Faço apenas duas advertências: amor não é apenas sentimento nem se resume em práticas de caridade. Os líderes amorosos devem possuir sete virtudes que descobri em meio a muito estudo, são elas: comunicação, confiança, solidariedade, paciência, discrição, honestidade e resiliência.
Pe. Joãozinho, scj
Foto: Wesley Almeida/ Canção Nova
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Milagre Econômico?
Alguma coisa muito diferente está acontecendo neste mundo de meu Deus. Há sinais por toda parte de que os pobres do Brasil estão tendo mais comida e mais dinheiro. Agora dizem que o dinheiro não será mais suficiente para comprar a comida. Dizem até que a crise mundial é provocada pelo fato de que os pobres da China também estão tendo mais acesso aos bens fundamentais. Comem mais. Não é que comam muito. Recentemente o Banco Mundial promoveu uma conferência em Xangai sobre este tema. O premiê chinês Wen Jiabao revelou que seu país ainda tem 30 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Este número deve ser ainda maior, porque pobre por lá é considerado alguém que aqui chamaríamos de “miserável”.
Mesmo para um país com 1,3 bilhões de pessoas, este número é assustador. E pensar que a população da China hoje é maior do que toda a população do mundo em 1798, quando o economista inglês Thomas Malthus publicou sua obra “Ensaio Sobre o Princípio da População”. Basicamente este estudioso afirmava que a produção de alimentos no mundo crescia em progressão aritmética, enquanto a população crescia geometricamente. O princípio deu um susto em sua época, pois o resultado seria um colapso total de alimentos e uma crise de fome mundial. Malthus não previra a evolução dos meis de produção, pois não conheceu a revolução industrial. Chegaram os “tempos modernos” e inventamos a energia elétrica, a máquina a vapor, a lâmpada, o carro, o telefone, o avião. Tudo parecia resolvido. Malthus estava certo quanto ao crescimento da população. Hoje somos quase seis bilhões de humanos. Os adversários do malthusianismo afirmam de pés juntos que nossa capacidade de produzir alimentos é maior do que o crescimento populacional e que o problema mesmo seria a distribuição destes alimento. Este já seria um problema político. Algumas pesquisas indicam que um terço da população mundial consome 65% dos alimentos produzidos. Ou seja, dois terços devem se contentar com 35%.
Se os chineses começarem mesmo a comer mais os efeitos serão imediatos no mundo todo. Imagine que um franco e oito quilos de porco a mais por ano, para cada chinês teriam efeito na segurança alimentar do planeta. Veja só alguns cálculos de Mauro Lopes, especialista em agricultura da FGV. Para cada um destes frangos a mais são necessárias 5,6 milhões de toneladas de milho e 2,4 milhões de toneladas de soja. Para oito quilos de carne de porco a mais por chinês/ano, o mundo tem que produzir 21,5 milhões de toneladas de milho e 7,8 milhões de toneladas de soja. Onde a China compraria tanto milho? Os Estados Unidos exportam 60 milhões de toneladas por ano. Já podemos prever a explosão nos preços e a volta da inflação no mundo. Brasil e Argentina juntos não conseguem produzir todo o milho que a China precisará. Veja que estamos falando de um frango a mais por ano para cada chinês. Mas o dinheiro está aumentando na China e os chineses parecem estar dispostos a comer bem mais do que um franguinho por ano. Quem diria… os pobres terão finalmente terão dinheiro e não terão o que comprar. Seria de fato um milagre econômico ou o prenúncio da catástrofe?
O mundo todo consome os baratos produtos chineses. Mas quem os produziu para serem assim tão econômicos? Cidadãos que migraram do campo para as indústrias da cidade, que pagam mais (imagine!). Esta urbanização gerou uma alta no consumo de 39%. Isto é equivalente aos Estados Unidos em 1911. Mas o problema é que estes novos urbanos ganham mais e querem consumir o que já não produzem: alimentos! O efeito se fará sentir no mundo todo. Já se fala de alta no preço dos alimentos por aqui.
Já percebeu como aumentou o número de veículos em nossas ruas? Nossos pobres estão comendo melhor, comprando carro e telefone celular. Nada errado. Não sei se o Fome Zero deu certo. O Celular Zero certamente já superou suas metas. Agora temos pensar e rezar para que a justiça alimentar seja para o mundo inteiro, incluindo a grande China… que está mais perto que pensamos!
Pe. Joãozinho scj
Mesmo para um país com 1,3 bilhões de pessoas, este número é assustador. E pensar que a população da China hoje é maior do que toda a população do mundo em 1798, quando o economista inglês Thomas Malthus publicou sua obra “Ensaio Sobre o Princípio da População”. Basicamente este estudioso afirmava que a produção de alimentos no mundo crescia em progressão aritmética, enquanto a população crescia geometricamente. O princípio deu um susto em sua época, pois o resultado seria um colapso total de alimentos e uma crise de fome mundial. Malthus não previra a evolução dos meis de produção, pois não conheceu a revolução industrial. Chegaram os “tempos modernos” e inventamos a energia elétrica, a máquina a vapor, a lâmpada, o carro, o telefone, o avião. Tudo parecia resolvido. Malthus estava certo quanto ao crescimento da população. Hoje somos quase seis bilhões de humanos. Os adversários do malthusianismo afirmam de pés juntos que nossa capacidade de produzir alimentos é maior do que o crescimento populacional e que o problema mesmo seria a distribuição destes alimento. Este já seria um problema político. Algumas pesquisas indicam que um terço da população mundial consome 65% dos alimentos produzidos. Ou seja, dois terços devem se contentar com 35%.
Se os chineses começarem mesmo a comer mais os efeitos serão imediatos no mundo todo. Imagine que um franco e oito quilos de porco a mais por ano, para cada chinês teriam efeito na segurança alimentar do planeta. Veja só alguns cálculos de Mauro Lopes, especialista em agricultura da FGV. Para cada um destes frangos a mais são necessárias 5,6 milhões de toneladas de milho e 2,4 milhões de toneladas de soja. Para oito quilos de carne de porco a mais por chinês/ano, o mundo tem que produzir 21,5 milhões de toneladas de milho e 7,8 milhões de toneladas de soja. Onde a China compraria tanto milho? Os Estados Unidos exportam 60 milhões de toneladas por ano. Já podemos prever a explosão nos preços e a volta da inflação no mundo. Brasil e Argentina juntos não conseguem produzir todo o milho que a China precisará. Veja que estamos falando de um frango a mais por ano para cada chinês. Mas o dinheiro está aumentando na China e os chineses parecem estar dispostos a comer bem mais do que um franguinho por ano. Quem diria… os pobres terão finalmente terão dinheiro e não terão o que comprar. Seria de fato um milagre econômico ou o prenúncio da catástrofe?
O mundo todo consome os baratos produtos chineses. Mas quem os produziu para serem assim tão econômicos? Cidadãos que migraram do campo para as indústrias da cidade, que pagam mais (imagine!). Esta urbanização gerou uma alta no consumo de 39%. Isto é equivalente aos Estados Unidos em 1911. Mas o problema é que estes novos urbanos ganham mais e querem consumir o que já não produzem: alimentos! O efeito se fará sentir no mundo todo. Já se fala de alta no preço dos alimentos por aqui.
Já percebeu como aumentou o número de veículos em nossas ruas? Nossos pobres estão comendo melhor, comprando carro e telefone celular. Nada errado. Não sei se o Fome Zero deu certo. O Celular Zero certamente já superou suas metas. Agora temos pensar e rezar para que a justiça alimentar seja para o mundo inteiro, incluindo a grande China… que está mais perto que pensamos!
Pe. Joãozinho scj
Lei Seca
Como especialista em educação, sei que a melhor pedagogia não é aquela que prega o binômio “vigiar e punir”. O medo e o mérito nunca foram asmelhores motivações. Aprendemos de fato e mudamos o nosso comportamento quando as lições fazem sentido em nossa vida. O exemplo clássico é o da geografia. Quem ainda se lembra daquele número de capitais que decorou na 5ª série? Mas jamais esquecerei que Helsinki é capital da Finlândia, pois tive que esperar solitário naquele pais minha conexão aérea para o Japão.
Porém, nos que se refere à educação no trânsito estou repensando minhas convicções pedagógicas. Por mais que o poder público e as escolas insistam que beber e dirigir são duas coisas que não combinam, o fato é que as estatísticas apontam que grande parte dos acidentes de fim de semana são provocados pela mistura de álcool e volante.
A lei seca brasileira coloca como limite tolerável 2 decigramas de álcool por litro de sangue, ou seja, um chope. Em uma lista de 82 países que adotam a mesma postura legal, a nova lei brasileira é mais rígida que a de 63 naçõese mais tolerante que 13, aonde a tolerância é realmente zero. Quem for pego e acusado pelo tal do “bafômetro”, deverá pagar multa de R$ 955,00, além de perder a carteira por um ano e ter seu veículo apreendido. Se forem encontradas mais que 6 decigramas de alcool (dois chopes), o motorista poderá ser preso. A prisão varia de seis meses a três anos, dependendo da gravidade.
Para se ter uma idéia como a tolerância anda mesmo próxima de zero, na Califórnia, nos Estados Unidos, há uma lei que proíbe conduzir uma bicicleta se bebeu algum tipo de bebida alcoolica. Na Suiça se pensa em proibir o alcool não apenas para o motorista, mas para todos os passageiros, pois poderiam prejudicar o motorista. Estive recentemente na Espanha e acompanheipelo rádio o debate sobre a lei seca de lá. Eles também querem convencer os companheiros do motorista a o vigiarem para que não bebam. Ando por esse país afora e vejo que a lei, mais por medo que por convicção, está sendo respeitada. Em São Paulo criou-se até o “amigo da vez”. É aquele que na sexta-feira de happy hour não irá beber para poder dirigir. Outros donos de bares e restaurantes chegam a contratar motoristas para conduzir os carros dos clientes que “não resistiram à tentação”.
Logo surgiram as vozes contrárias à intolerância da lei. Muitos acham um exagero. Consideram que não faria nenhum mal tomar um chope. Outros acham que seria normal tomas dois chopes. Outros ainda acham que é inofensivo tomar cinco chopes… Mas os números são os maiores defensores da novidade. As pesquisas dizem que no Brasil um terço dos motoristas bebem antes de dirigir. Isso é seis vezes mais do que a média mundial. Outro número impressionante é que o alcool é responsável por 60% dos acidentes e aparece em 70% dos casos com mortes violentas. O Instituto Médico Legal de São Paulo estimou que em 2005, 44% dos .3.042 mortos em acidentes tinham alcool no sangue. Ou seja, metade dos mortos beberam antes de dirigir. Mais números: 290.000 pessoas dirigem alcoolizadas por dia no Brasil. A maioria das vítimas são invariavelmente homens. Quer mais números? Alguém dirigindo a 60 Kilômetros por hora precisa de 0,5 segundo para reagir a uma situação de risco. Neste meio segundo o carro terá andado 8 metros. Mas se o motorista tiver bebido duas latas de cerveja, provavelmente o deslocamento será de 17 metros, o que pode significar a perda da sua vida em uma violenta colisão. Estes números naturalmente variam de homem para mulher e também dependendo do peso da pessoa, de sua tolerância ao alcool e das circunstâncias em que tiver bebido (antes ou após as refeições). Mas não vale a pena fazer o teste. Pode ser o último. Os números não mentem.
Vamos terminar este artigo com incríveis números positivos. Menos de um mês depois de sancionada a lei seca os hospitais publicaram suas estatísticas. Do norte ao sul do país a queda nos atendimentos de acidentes graves foi mais que visível. Em Curitiba os atendimentos diminuiram em 30%. Em Sao Paulo o IML (Instituto Médico Legal) calculou em 57% a queda no número de mortes por acidentes de trânsito. O Rio de Janeiro calculou um queda semelhante a de São Paulo. Com isso, em menos de um mês os 30 hospitais públicos estaduais da região metropolitana de São Paulos economizaram cerca de R$ 4,5 milhões. Em um ano a economia será de R$ 54 milhões. Quem tiver ouvidos para ouvir ouça. Já temos a lei. Agora é preciso vigiar e punir!
Pe. Joãozinho scj
Porém, nos que se refere à educação no trânsito estou repensando minhas convicções pedagógicas. Por mais que o poder público e as escolas insistam que beber e dirigir são duas coisas que não combinam, o fato é que as estatísticas apontam que grande parte dos acidentes de fim de semana são provocados pela mistura de álcool e volante.
A lei seca brasileira coloca como limite tolerável 2 decigramas de álcool por litro de sangue, ou seja, um chope. Em uma lista de 82 países que adotam a mesma postura legal, a nova lei brasileira é mais rígida que a de 63 naçõese mais tolerante que 13, aonde a tolerância é realmente zero. Quem for pego e acusado pelo tal do “bafômetro”, deverá pagar multa de R$ 955,00, além de perder a carteira por um ano e ter seu veículo apreendido. Se forem encontradas mais que 6 decigramas de alcool (dois chopes), o motorista poderá ser preso. A prisão varia de seis meses a três anos, dependendo da gravidade.
Para se ter uma idéia como a tolerância anda mesmo próxima de zero, na Califórnia, nos Estados Unidos, há uma lei que proíbe conduzir uma bicicleta se bebeu algum tipo de bebida alcoolica. Na Suiça se pensa em proibir o alcool não apenas para o motorista, mas para todos os passageiros, pois poderiam prejudicar o motorista. Estive recentemente na Espanha e acompanheipelo rádio o debate sobre a lei seca de lá. Eles também querem convencer os companheiros do motorista a o vigiarem para que não bebam. Ando por esse país afora e vejo que a lei, mais por medo que por convicção, está sendo respeitada. Em São Paulo criou-se até o “amigo da vez”. É aquele que na sexta-feira de happy hour não irá beber para poder dirigir. Outros donos de bares e restaurantes chegam a contratar motoristas para conduzir os carros dos clientes que “não resistiram à tentação”.
Logo surgiram as vozes contrárias à intolerância da lei. Muitos acham um exagero. Consideram que não faria nenhum mal tomar um chope. Outros acham que seria normal tomas dois chopes. Outros ainda acham que é inofensivo tomar cinco chopes… Mas os números são os maiores defensores da novidade. As pesquisas dizem que no Brasil um terço dos motoristas bebem antes de dirigir. Isso é seis vezes mais do que a média mundial. Outro número impressionante é que o alcool é responsável por 60% dos acidentes e aparece em 70% dos casos com mortes violentas. O Instituto Médico Legal de São Paulo estimou que em 2005, 44% dos .3.042 mortos em acidentes tinham alcool no sangue. Ou seja, metade dos mortos beberam antes de dirigir. Mais números: 290.000 pessoas dirigem alcoolizadas por dia no Brasil. A maioria das vítimas são invariavelmente homens. Quer mais números? Alguém dirigindo a 60 Kilômetros por hora precisa de 0,5 segundo para reagir a uma situação de risco. Neste meio segundo o carro terá andado 8 metros. Mas se o motorista tiver bebido duas latas de cerveja, provavelmente o deslocamento será de 17 metros, o que pode significar a perda da sua vida em uma violenta colisão. Estes números naturalmente variam de homem para mulher e também dependendo do peso da pessoa, de sua tolerância ao alcool e das circunstâncias em que tiver bebido (antes ou após as refeições). Mas não vale a pena fazer o teste. Pode ser o último. Os números não mentem.
Vamos terminar este artigo com incríveis números positivos. Menos de um mês depois de sancionada a lei seca os hospitais publicaram suas estatísticas. Do norte ao sul do país a queda nos atendimentos de acidentes graves foi mais que visível. Em Curitiba os atendimentos diminuiram em 30%. Em Sao Paulo o IML (Instituto Médico Legal) calculou em 57% a queda no número de mortes por acidentes de trânsito. O Rio de Janeiro calculou um queda semelhante a de São Paulo. Com isso, em menos de um mês os 30 hospitais públicos estaduais da região metropolitana de São Paulos economizaram cerca de R$ 4,5 milhões. Em um ano a economia será de R$ 54 milhões. Quem tiver ouvidos para ouvir ouça. Já temos a lei. Agora é preciso vigiar e punir!
Pe. Joãozinho scj
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Novo livro: "As Sete Virtudes do Líder Amoroso"
Agora já é realidade e já posso divulgar. Acaba de ficar pronto meu novo livro. A partir do dia 04 de agosto já estará disponível nas melhores livrarias. Para os meus amigos e amigas de BLOG, disponibilizo hoje, em primeira mão, alguns trechos da introdução, para que você possa ter uma idéia de que é este novo livro.
AS SETE VIRTUDES DO LÍDER AMOROSO
Quando James C. Hunter escreveu seu Best Seller, O Monge e o Executivo, teve uma intuição genial sobre a “essência” da liderança: verdadeiro líder é aquele que tem autoridade e não simplesmente aquele que tem o poder. Com a autoridade conseguimos influenciar as pessoas para que o grupo, de modo coeso, atinja os seus objetivos. Toda sociedade precisa de um líder. Toda empresa de sucesso tem em sua história alguém que soube exercer a liderança de um modo determinante e influenciou as pessoas em vista do bem comum.
A QUESTÃO FUNDAMENTAL
A questão fundamental, portanto, é descobrir a dinâmica pela qual desenvolvemos nosso potencial de autoridade pessoal. Será que todos podemos ser líderes? Ou alguns estão fatalmente condenados a ser apenas liderados? Liderança seria puro carisma? Ou é 10% de inspiração e 90% de transpiração?O Monge sugere aos Executivos - que buscam a fórmula do sucesso para seus empreendimentos - atenção ao exemplo de Jesus Cristo. Sua autoridade era tão marcante que alguns chegavam a dizer: “Até o vento e o mar o obedecem”. Na verdade o próprio mestre revelou seu segredo quando ensinou seus seguidores que “aquele que quiser ser líder, deve ser o servo de todos”. Certamente esta não é uma lição apenas para os que querem um pedaço de terra no céu, mas pode iluminar o caminho dos que se dedicam a construir um pedaço do céu na terra.
LIDERANÇA SERVIDORA
A partir desta intuição assumida por Hunter em seu livro, o mundo corporativo começou a falar de liderança servidora. A fonte da autoridade seria, então, a disposição para servir. O líder servidor é alguém que é obedecido porque antes de mandar fazer ele já fez e sabe como se faz. Sua ordem não é arbitrária. Ele sabe que é possível pintar aquela parede daquele jeito e naquele espaço de tempo. Ele mesmo já pintou muitas paredes sem precisar mais do que duas horas para fazer todo o serviço. Agora ele pode liderar os seus pintores com autoridade.Mas Hunter deu um passo a mais. A origem e o fim da autoridade não pode ser simplesmente a habilidade para realizar tarefas. A liderança é construída em uma dimensão humana muito mais profunda: a atitude! O verdadeiro líder é reconhecido até pelo tom da voz. Ele não precisa insistir muito para que as pessoas fiquem persuadidas de que seu caminho é de fato o melhor. Ele inspira confiança ao grupo porque tem uma atitude de líder. A raiz desta atitude fundamental é o que poderíamos chamar de amor, ou seja, a disposição de doar-se, de dar a vida pelo grupo. Qualquer um de nós é capaz de reconhecer a sinceridade de alguém que está disposto a dar o sangue, o suor e as lágrimas pelo projeto da empresa.
LIDERANÇA AMOROSA
Aqui já não estamos somente no âmbito do líder servidor. É muito mais… Poderíamos, então, falar de líder amoroso. Parece que o próprio Jesus percebeu isso quando disse ao grupo mais restrito de seguidores: “Já não vos chamo servos, mas amigos!” Este é o caminho que pretendemos trilhar nestas páginas. Queremos descobrir de que modo a dinâmica do amor é determinante para encher qualquer pessoa de muita autoridade e garantir o sucesso dos seus empreendimentos. Em outras palavras: o amor pode ser um bom negócio?Hunter percebeu esta passagem do serviço para o amor e utilizou o trecho mais belo da Bíblia para tentar descrever o que de fato significa esta palavra tão utilizada nos poemas e romances, mas nem sempre com o mesmo significado. O Hino ao Amor, provavelmente foi escrito por Paulo de Tarso e está registrado no capítulo 13 da Carta aos Coríntios. Primeiro em O Monge e o Executivo (Capítulo 4) e, depois, no livro Como se tornar um líder servidor (Capítulo 4) o autor procura desvendar as virtudes que comporiam a personalidade do líder. Ao ler a sua reflexão encontrei outras virtudes que ultrapassam o âmbito do serviço e nos permitem agora falar de líder amoroso. Esta é a nossa contribuição original.
Pe Joãozinho scj
AS SETE VIRTUDES DO LÍDER AMOROSO
Quando James C. Hunter escreveu seu Best Seller, O Monge e o Executivo, teve uma intuição genial sobre a “essência” da liderança: verdadeiro líder é aquele que tem autoridade e não simplesmente aquele que tem o poder. Com a autoridade conseguimos influenciar as pessoas para que o grupo, de modo coeso, atinja os seus objetivos. Toda sociedade precisa de um líder. Toda empresa de sucesso tem em sua história alguém que soube exercer a liderança de um modo determinante e influenciou as pessoas em vista do bem comum.
A QUESTÃO FUNDAMENTAL
A questão fundamental, portanto, é descobrir a dinâmica pela qual desenvolvemos nosso potencial de autoridade pessoal. Será que todos podemos ser líderes? Ou alguns estão fatalmente condenados a ser apenas liderados? Liderança seria puro carisma? Ou é 10% de inspiração e 90% de transpiração?O Monge sugere aos Executivos - que buscam a fórmula do sucesso para seus empreendimentos - atenção ao exemplo de Jesus Cristo. Sua autoridade era tão marcante que alguns chegavam a dizer: “Até o vento e o mar o obedecem”. Na verdade o próprio mestre revelou seu segredo quando ensinou seus seguidores que “aquele que quiser ser líder, deve ser o servo de todos”. Certamente esta não é uma lição apenas para os que querem um pedaço de terra no céu, mas pode iluminar o caminho dos que se dedicam a construir um pedaço do céu na terra.
LIDERANÇA SERVIDORA
A partir desta intuição assumida por Hunter em seu livro, o mundo corporativo começou a falar de liderança servidora. A fonte da autoridade seria, então, a disposição para servir. O líder servidor é alguém que é obedecido porque antes de mandar fazer ele já fez e sabe como se faz. Sua ordem não é arbitrária. Ele sabe que é possível pintar aquela parede daquele jeito e naquele espaço de tempo. Ele mesmo já pintou muitas paredes sem precisar mais do que duas horas para fazer todo o serviço. Agora ele pode liderar os seus pintores com autoridade.Mas Hunter deu um passo a mais. A origem e o fim da autoridade não pode ser simplesmente a habilidade para realizar tarefas. A liderança é construída em uma dimensão humana muito mais profunda: a atitude! O verdadeiro líder é reconhecido até pelo tom da voz. Ele não precisa insistir muito para que as pessoas fiquem persuadidas de que seu caminho é de fato o melhor. Ele inspira confiança ao grupo porque tem uma atitude de líder. A raiz desta atitude fundamental é o que poderíamos chamar de amor, ou seja, a disposição de doar-se, de dar a vida pelo grupo. Qualquer um de nós é capaz de reconhecer a sinceridade de alguém que está disposto a dar o sangue, o suor e as lágrimas pelo projeto da empresa.
LIDERANÇA AMOROSA
Aqui já não estamos somente no âmbito do líder servidor. É muito mais… Poderíamos, então, falar de líder amoroso. Parece que o próprio Jesus percebeu isso quando disse ao grupo mais restrito de seguidores: “Já não vos chamo servos, mas amigos!” Este é o caminho que pretendemos trilhar nestas páginas. Queremos descobrir de que modo a dinâmica do amor é determinante para encher qualquer pessoa de muita autoridade e garantir o sucesso dos seus empreendimentos. Em outras palavras: o amor pode ser um bom negócio?Hunter percebeu esta passagem do serviço para o amor e utilizou o trecho mais belo da Bíblia para tentar descrever o que de fato significa esta palavra tão utilizada nos poemas e romances, mas nem sempre com o mesmo significado. O Hino ao Amor, provavelmente foi escrito por Paulo de Tarso e está registrado no capítulo 13 da Carta aos Coríntios. Primeiro em O Monge e o Executivo (Capítulo 4) e, depois, no livro Como se tornar um líder servidor (Capítulo 4) o autor procura desvendar as virtudes que comporiam a personalidade do líder. Ao ler a sua reflexão encontrei outras virtudes que ultrapassam o âmbito do serviço e nos permitem agora falar de líder amoroso. Esta é a nossa contribuição original.
Pe Joãozinho scj
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