Quando entrei para o seminário, em 1976, havia lá um formador que havia passado um tempo de estudos na Europa e voltara cheio de idéias. Uma de suas criatividades era um curioso “Catálogo de problemas pessoais”. Éramos todos garotos de sexta até oitava série. Tínhamos entre 13 e 15 anos de idade. Entrávamos na adolescência longe da família e precisávamos de um rumo. Ele inventou o tal “catálogo” com mais ou menos 300 problemas que um quase-jovem poderia enfrentar.
A orientação era a seguinte:
“- Se for um probleminha, tome um lápis e marque um X; se for um problema maior, coloque um círculo em torno do X. Se o problema for enorme coleque dois círculos. Quando for conversar com seu orientador, leve junto o seu caderno. Aos poucos você vai resolver seus problemas e poderá ir apagando os círculos até resolver um problema completamente e apagar até mesmo o X.”
Tenho este caderno até hoje, apesar de entender os evidentes limites da metodologia. Estes dias estive revirando velhos arquivos e dei de cara com a lista de problemas. Lá estava o meu maior problema daquele tempo, que até hoje permanece com dois círculos:
“Ser disperso, distraído”.
Lembro o quanto lutei contra esta tendência inata de estar sempre muito concentrado… mas não exatamente naquilo que é oportuno naquela hora. É só entrar na capela e começar a rezar que tenho idéias e mais idéias. No volante às vezes tenho que parar o carro para anotar a letra ou a melodia de alguma canção. Tive que estudar filosofia para entender que este aparente “defeito de fabricação” na verdade era uma grande qualidade se administrado do jeito certo. O pensador é alguém que consegue se distrair e se maravilhar com as coisas aparentemente mais irrelevantes. Quando começo a fazer uma pesquisa, preciso me distrair com o objeto pesquisado. Isto é, preciso o êxtase de quem se distrai.
Foram anos e mais anos procurando dominar este talento natural. Consegui algumas vitórias e descobri certos segredos da alma que faz silêncio, adora, aquieta-se e ama. Rezar é distrair-se com Deus. Rezamos quando ficamos distraidamente olhando um lago e nos colocamos no colo do criador de tudo aquilo. A distração pode terminar em louvor.
Mas existe também a síndrome da dispersão que pode matar a nossa saudável distração. Pensei que era uma luta minha, irremediavelmente distraído. Mas aos poucos percebo que vivemos em um mundo cada vez mais disperso. As pessoas entram em casa e não sabem cozinhar sem ligar a TV. Passam roupa distraídas com algum inútil programa de rádio que repete as mesmas baboseiras 24 horas todo dia. A juventude está cada vez mais dispersa na Internet. Este meio maravilhoso poderia ser utilizado para fazer milagres e alcançar mais e mais conhecimento. Mas entro na Lan House e vejo em um passar de vistas, todos os computadores plugados em programas de bate-papo no estilo MSN. A conversa não vai dois centímetros de profundidade, pois é preciso conversar com cinco ou seis pessoas ao mesmo tempo. Isso quando ao mesmo tempo não se está em alguma sala virtual e algum outro programa de relacionamento, ou ao mesmo tempo se alimenta sua página de Orkut. É uma doença. Pesquisas iniciais indicam que a Internet assim utilizada provoca dificuldade de concentração nos jovens estudantes.
Existem muitas armadilhas tecnológicas que podem capturar nossa concentração e nos deixar dispersos. Vejo pessoas que tentam trabalhar com um celular ao lado que toca a cada 10 minutos; o MSN e o Skype estão ligados e pessoas falam, falam, falam… um telefone convencional toca às vezes, um radio está ligado bem baixinho! É possível trabalhar assim? Nosso mundo está disperso. Nós latino-americanos somos tropicalmente quentes e temos por natureza climática mais dificuldade de concentração do que um alemão, por exemplo. Precisamos rever nossos conceitos. Não seria a hora de retomar o nosso “catálogo de problemas” e tentar apagar este X?
Quem sabe possamos começar fazendo um esforço de ficar meia hora em silêncio por dia. Parece simples, não é? Dizem que qualquer empresário que conseguir fazer isso terá sucesso. Por que não tentar?
Pe Joãozinho scj
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
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